Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Hélio Schwartsman

Livros, almôndegas e política

Quando compro carne moída, não me interessa a preferência política do açougueiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando compro carne moída, não estou nem aí para as preferências políticas do açougueiro, seu histórico policial ou sua "Weltanschauung" —estou interessado é nas almôndegas. E ajo com a mesma despreocupação quando mando consertar sapatos ou abasteço o carro.

Um kantiano severo talvez classifique minha conduta como imoral, já que, dependendo da interpretação, ao tratar açougueiros, sapateiros e frentistas apenas como um meio (e não um fim em si mesmo), eu estaria violando a segunda formulação do imperativo categórico. Mas acho que a maioria dos leitores não seria assim tão implacável.

Basta, porém, trocar a esfera das atividades mundanas pela dos prazeres intelectuais que o espírito patrulheiro toma de assalto as multidões. O exemplo mais recente dessa disposição veio da editora W.W. Norton, que decidiu suspender a distribuição de uma nova biografia de Philip Roth, que prometia ser um dos grandes lançamentos do ano, depois que seu autor, Blake Bailey, foi acusado de assédio sexual e estupro. Bailey também perdeu seu agente literário e editoras mundo afora já desistiram de traduzir a obra.

Não vejo diferença entre o açougueiro e o autor. Ainda bem, devo acrescentar. Se aquiescesse ao justiçamento moral, teria de privar-me de Aristóteles (escravagista), Eurípedes e Schopenhauer (misóginos), Shakespeare (antissemita), Céline e Heidegger (nazistas), Pound (fascista), Genet (bandido), entre centenas de outros.

Não defendo obviamente a impunidade. Se Bailey cometeu crimes previstos nos códigos, deve responder por eles, mas na Justiça, não nas livrarias. Existe uma razão por que os países civilizados passaram os últimos séculos criando e aprimorando sistemas judiciários para permitir julgamentos em que os réus tenham chance de defender-se.

Se um livro é bom, não há por que deixar de lê-lo, por maiores que sejam as restrições morais que façamos ao autor.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.