Em plena homilia, um padre mato-grossense se pôs a insultar um jornalista de TV que, no Dia dos Namorados, fizera ao vivo uma declaração de amor ao parceiro. O MP abriu investigação contra o clérigo.
A religião já teve (e ainda pode ter) a função de promover a sociabilidade, integrando as pessoas de uma comunidade. Mas, no ambiente de sociedades densamente povoadas por indivíduos com os mais diversos backgrounds culturais em que vivemos hoje, não há nada mais antissocial do que meter o bedelho na sexualidade alheia. O que dois ou mais adultos fazem de forma consensual em matéria de sexo é assunto só deles.
Meu propósito hoje não é reafirmar o óbvio, mas destacar uma inconsistência dos tempos em que vivemos. É o que chamo de trilema do Levítico, que assevera (1) que somos uma sociedade aberta, que garante a liberdade de expressão e não faz censura, (2) que protegemos minorias, limitando discursos intolerantes, e (3) que o Judiciário é capaz de equilibrar esses princípios nem sempre compatíveis.
Ele não é capaz, e é uma citação bíblica, Levítico 20:13, que o prova: “Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”. Por maior que seja a latitude hermenêutica que estejamos dispostos a nos autoconceder, não vejo como interpretar essa passagem senão como profundamente homofóbica, incidindo em discurso de ódio.
E o que a Justiça poderia fazer? Nem eu, que não sou o maior fã das religiões, sugeriria censurar a Bíblia. Talvez só proibir clérigos de ler trechos como esse (e há vários deles) diante da congregação? Exigir notas explicativas? Ou quem sabe desistir de proteger minorias para dar curso à "vontade de Deus"?
Minha solução, longe de consensual, é manter intacta a liberdade de expressão e punir com máximo vigor qualquer agressão que vá além das palavras.
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