Foi uma não-surpresa que surpreendeu a todos. Eleitores do Kansas compareceram em massa às primárias e, respondendo a uma consulta popular, disseram que a Constituição do estado deve continuar a garantir o direito das mulheres ao aborto. O placar foi eloquente, 59% a 41%, num estado solidamente republicano. Esse foi o primeiro teste democrático por que passou o aborto desde que a Suprema Corte reverteu Roe vs. Wade, abrindo caminho para os estados proibirem o procedimento.
O resultado não surpreende, porque a preferência dos norte-americanos por assegurar alguma forma de direito ao aborto é bastante clara. Segundo o Gallup, apenas 19% dos americanos acham que o aborto deve ser proibido; 80% pensam que ele deve ser permitido, dividindo-se entre os que o chancelam em todos os casos (32%) e os que pensam que deve ser autorizado em determinadas circunstâncias (48%). Mesmo no Kansas, que é bem mais conservador e mais rural do que a média do país, as pesquisas davam 60% a favor do aborto, praticamente o resultado das urnas.
O que de fato surpreendeu foi o alto comparecimento. Foram votar 47% dos eleitores registrados. Em eleições primárias, esse número costuma ficar entre 20% e 30%. Não se esperava que um tema como o aborto mobilizasse um eleitor que, embora tenha opinião sobre a matéria, não é um militante da causa. Mas mobilizou.
E isso nos leva ao Partido Republicano. Por uma série de mecanismos, a legenda vem selecionando candidatos e lideranças que são muitas vezes mais radicais do que seu eleitorado médio. Com isso, o partido ganhou uma ala tóxica, que não apenas defende bandeiras ultraconservadoras, o que estaria nas regras do jogo, mas sustenta teses absurdas e demonstravelmente falsas, como a de que Trump só perdeu a eleição porque ela foi roubada. São posições que, se não inviabilizam a convivência democrática com a oposição, tornam-na perigosamente difícil.
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