A legítima defesa da honra é uma falácia quase infantil. Pega-se a "legítima defesa", um excludente de culpabilidade válido quando o que está em jogo é a vida da pessoa que se defende ou a de um terceiro, aglutina-se essa expressão ao termo "honra", também protegida pela legislação, e reza-se para que o argumento cole.
Não deveria colar. O direito brasileiro só admite que se tire uma vida para proteger outra. Você não pode matar o ladrão que leva seu carro. É óbvio então que também não pode fazê-lo para defender sua honra. Nem entro no machismo irredutível da tese.
Nesse contexto, o STF faz bem em sinalizar para promotores, juízes e policiais que eles não devem se utilizar desse sofisma jurídico. Acho problemático, porém, que a corte pretenda estender a proibição de uso a advogados de defesa que atuem no Tribunal do Júri. Advogados de defesa não têm obrigação de ser lógicos nem de estar "do lado certo da história"; seu dever é só fornecer a melhor defesa possível a seus clientes. E a legítima defesa da honra pode ser a única esperança de um assassino.
O problema é o Tribunal do Júri, que, a crer na Constituição, é soberano em seus veredictos. Existe uma justificativa teórica para isso, que é a de poder funcionar como contrapeso a leis que a população considere injustas. É a chamada nulificação por júri. Às vezes funciona. Ao inocentar pessoas que haviam violado leis que as proibiam de ajudar escravos em fuga, a nulificação fomentou o abolicionismo nos EUA.
O problema é que, a meu ver, o júri não funciona mais vezes do que funciona. As absolvições por legítima defesa da honra são a melhor prova disso. Se eu fosse o ditador benigno do Brasil, acabaria incontinenti com o júri. Penso que os julgamentos devem ser tão técnicos quanto possível. Mais balística e DNA e menos Twitter. Mas eu não sou o ditador do Brasil e o constituinte transformou o júri em cláusula pétrea.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.