Freud era um charlatão, perguntam-me alguns leitores. As duas últimas décadas não foram gentis com o pai da psicanálise. Foram publicados ao menos três livros que buscam aniquilar não apenas a psicanálise como também a integridade intelectual e moral de Freud. As obras são "O Livro Negro da Psicanálise" (2005), de vários autores, "O Crepúsculo de um Ídolo" (2010), de Michel Onfray, e "Freud: the Making of an Illusion" (2017), de Frederick Crews.
Os autores levantam problemas sérios e documentam alguns casos de má conduta científica. Acredito, porém, que cometem uma injustiça contra Freud. Não importa muito o que tenha feito, ele tem méritos como escritor e pioneiro no estudo da mente humana. Não foi ele que inventou a ideia de inconsciente, mas a popularizou. Hoje dá-se como certo que grande parte dos processos mentais ocorre abaixo do radar da consciência.
Daí se segue que a psicanálise seja uma ciência? O debate metodológico pode ficar complicado, mas penso, como Pasternak e Orsi, que não. Isso significa que ela deve ser rejeitada? Depende dos seus objetivos. Se sua meta é colocar a própria vida em exame e aprimorar o autoconhecimento, a psicanálise pode ser um bom caminho. Se o propósito é curar ou controlar transtornos mentais, aí provavelmente existem rotas mais eficazes. Temos até certa dificuldade para saber, porque os psicanalistas costumam rejeitar avaliações quantitativas e comparativas.
O interessante é que Freud nunca renunciou à pretensão de fazer ciência. Em seu último livro, o inacabado "Esboço de Psicanálise", de 1938, ele escreveu que no futuro seríamos capazes de influenciar o psiquismo "por meio de matérias químicas especiais". Ele chega a sugerir que a psicanálise seria uma técnica a ser utilizada apenas provisoriamente, enquanto não dominássemos a neurofarmacologia. É um dos poucos textos de Freud que psicanalistas veem com um pé atrás.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.