Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Não cortem as cabeças!

Os desafios da verdadeira renovação política fora da lógica da polarização

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A dissidência partidária de um terço dos deputados de dois partidos de esquerda na votação da Previdência no Congresso, na semana passada, gerou grande discussão sobre a relação entre movimentos cívicos e o modus operandi tradicional de partidos políticos.

O caso de destaque foi o da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), membro do Movimento Acredito, que sofreu ataques duríssimos do presidente, do principal líder de seu partido e de sua base, que podem resultar em sua expulsão do PDT.

Para além da honesta insatisfação de alguns de seus eleitores com o voto, já bastante justificado pela deputada, e sem entrar no mérito da reforma em questão, o episódio traz importantes reflexões sobre os desafios de uma verdadeira renovação política e da criação de alternativas políticas que não operem na lógica da polarização.

Como cofundadora de um dos movimentos cívicos —Movimento Agora— posso afirmar que as discussões sobre como viabilizar as candidaturas de membros a cargos eletivos nas eleições de 2018 foram as mais acaloradas. A impossibilidade de se candidatar de forma independente no Brasil e a dificuldade de se criarem novos partidos, em especial com a aprovação das cláusulas de barreira, eram fato.

Isso obrigou movimentos, como o Agora, o Acredito e o Livres, a buscarem partidos que aceitassem receber seus membros como candidatos independentes. Cartas de compromisso foram assinadas com partidos que tinham valores comuns, onde candidatos poderiam manter a identidade e as agendas dos movimentos.

A votação da Previdência provou que há desafios reais a esse modelo, tanto para os partidos quanto para os movimentos. Portanto, precisamos mais do que nunca de uma reforma política que permita a renovação.

Os movimentos cívicos mencionados acima se colocam desde o seu surgimento como alternativas à polarização. O experimento político mais próximo foi a terceira via capitaneada por Bill Clinton e Tony Blair. De forma simplificada, trazia elementos da direita e da esquerda, como uma política econômica liberal e políticas sociais progressistas. Recebeu duras críticas, em especial por ter se aproximado mais das ideias da direita do que das da esquerda.

Certamente há lições na terceira via para os grupos que se propõem a criar um novo campo político. Ainda sem nome, esse novo “centro democrático”, onde se encontrariam centro-esquerda e centro-direita, teria princípios firmes que seriam a base de sua ideologia —como a redução das desigualdades e o respeito aos direitos civis e liberdades individuais. Mas teria também uma atuação pragmática mesmo na oposição, com mais espaço para decisões baseadas em evidências.

Essa proposta ainda incipiente se choca de frente com o pensamento de grupos mais radicais, à esquerda e à direita. Alguns acreditam na luta de classes como o único locus da batalha política e rechaçam a ideia de um campo mais moderado. Porém, se bem-sucedido, um novo campo político que entregasse resultados e governasse para a maioria, sem sufocar as minorias, ameaçaria o status quo e mexeria nas relações de poder. Seria a retomada da política como substituta da guerra, tão pertinente aos dias de hoje.

Colocar em prova um sistema político mais inclusivo e cooperativo não é opção, e sim, sobrevivência. A fadiga do modelo atual pode trazer grande adesão de uma maioria silenciosa que não se vê representada no jogo de soma zero dos extremos.

Portanto, não cortem as cabeças das novas lideranças políticas que, entre erros e acertos, estão tentando construir em ambiente de tamanha destruição. Do contrário, elas podem até ser as primeiras a serem destruídas, mas será questão de tempo para o desfecho ser o mesmo para todos nós.

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