Janio de Freitas

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Pesca de mentira

Uma burla foi a solução dada por Bolsonaro para flagrante do Ibama

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A recente anulação da multa aplicada em 2012 a Jair Bolsonaro, por pesca ilegal em lugar ilegal, é mais interessante do que a sua notícia sugere. 

Com a decisão, datada de dez dias antes da posse do novo presidente —mero acaso, é claro—, Bolsonaro foi retirado do cadastro de devedores da União.

Deu-se que há exatos seis anos o então deputado foi surpreendido por fiscais do Ibama em um bote inflável, no recanto de Angra dos Reis chamado de Tamoios. Deu-se também que Bolsonaro, o bote e seu equipamento de pesca de vara não podiam estar ali, na Estação Ecológica de Tamoios, área sob proteção em que a presença humana é proibida. No caso, eram presença, bote, motor marinho e pesca.

Foto tomada por agente ambiental durante autuação de Jair Bolsonaro por pescar dentro da Estação Ecológica de Tamoios, região de Angra dos Reis (RJ)
Foto tomada por agente ambiental durante autuação de Jair Bolsonaro por pescar dentro da Estação Ecológica de Tamoios, região de Angra dos Reis (RJ) - 25.jan.12/Divulgação

A multa foi de R$ 10 mil. O deputado recusou-se a mostrar documentos. A partir daí, o Ibama desenrolou um colar de inoperâncias muito ilustrativo da defesa ambiental que os governos brasileiros proclamam ao mundo com orgulho. 

O auto de infração só foi emitido em 6 de março, dois meses e 12 dias depois do flagrante. O multado só recebeu a respectiva notificação em 6 de outubro. De 2014. Dois anos, oito meses e 12 dias depois da infração. Não pagou a multa. 

Seu nome e a dívida foram, por isso, inscritos no cadastro de inadimplentes. Em 16 de outubro. De 2015. Um ano e seis dias depois de encerrado o prazo para pagamento.

Recursos de Bolsonaro fizeram o processo passar por duas instâncias de julgamento do Ibama. Em ambas, recusa dos recursos. Entra no roteiro a AGU, Advocacia-Geral da União, mas nem sempre pró-União. Já é dezembro, dia 7. De 2018.

A AGU se manifesta: Bolsonaro não teve direito a ampla defesa, os julgamentos do Ibama "não analisam os argumentos das peças defensivas e não fundamentam os indeferimentos" (dos recursos). Anule-se a multa, anule-se tudo. Volta ao zero.

Mas Bolsonaro, o bote, o motor e o equipamento de pesca foram apenas vistos e abordados. Foram fotografados pela fiscalização no ambiente da Estação Ecológica. A imagem não foi adulterada. Sua defesa nunca merecerá o qualificativo de ampla, em qualquer sentido. Não pode ser mais do que a negação do óbvio documentado e inquestionável. 

Apesar disso, a defesa de Bolsonaro protocolada no dia 22 de março de 2012 baseia-se na afirmação de que, no dia, hora e lugar do alegado flagrante ele, na verdade, decolava no aeroporto Santos Dumont.
Um caso de ubiquidade? O chanceler Ernesto Araújo já delatou a união de Deus e Olavo de Carvalho como autora da eleição de Bolsonaro. 

Não seria demais que Olavo intercedesse para santo Antônio ceder a Bolsonaro um pouco de ubiquidade emergencial. Mas um dos dois, que por certo não foi Olavo, falhou. A solução ficou para o próprio Bolsonaro. E não foi tão simplória quanto a AGU, o Ibama e o pouco noticiário aceitaram.

O flagrante e a decolagem puderam coincidir por um jogo de datas. Na argumentação defensiva, a data do flagrante, 25 de janeiro, cede o lugar e a importância factual ao dia 6 de março em que afinal foi lavrada a autuação —impossibilitada na ação fiscalizadora pela recusa de Bolsonaro a dar sua identificação. 

Uma burla, portanto. E um exemplo, em se tratando agora de um presidente que promete mudar o exercício da moralidade no país.

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