Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Descrição de chapéu Todas Corpo

O primeiro pentelho branco a gente nunca esquece

Se ostentar pentelhos já é considerado um ato revolucionário, seriam os pentelhos brancos a última fronteira da libertação do corpo feminino?

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Nesse ano eu faço 40 anos, um marco que me agrada um tanto. Me parece um número tão bonito. Número de adulto que sabe das coisas, que tropeça menos na vida. É claro que tropeço sempre há de pintar por aí. Mas se tem coisa que o tempo sabe fazer é ensinar. E com 40 a gente aprende a caminhar com mais cuidado que é pra passar a ver as armadilhas da vida lá de longe e pra dar tempo de mudar de calçada.

Outra coisa que o tempo sabe demais é mostrar seus sinais, e eu vejo sua passagem por todos os lados. Na filha que apenas outro dia mamava no peito e hoje já sabe escrever. No bairro que se transforma ao meu redor, na rigidez bonita das estações, nas folhas que irremediavelmente e sistematicamente amarelam e caem. E nos fogos de artifício que explodem no céu a cada passagem de ano, como se precisássemos realmente de mais um marcador de tempo além desses que nos rodeiam a cada minuto de cada hora de cada dia.

Fotografia colorida mostra quatro mulheres maduras de lingerie
Convivo há tantos anos com meus cabelos brancos que nem lembro quando encontrei o primeiro fio. Mas nunca, em tempo algum, alguém havia me dito que o efeito prateado se estenderia para além da minha cabeça - Adobe Stock

E dentre tantos sinais que o tempo dá, há, claro, aqueles que incidem sobre este corpo que habito. Paradoxalmente, são os que me são menos óbvios. Porque ao contrário do primeiro vento frio que sopra marcando a chegada do inverno, o relógio que marca o tempo do meu corpo é daqueles cujos ponteiros correm fluidos, sem barulho, sem um tic-tac sequer que possa me alertar para sua passagem. A gente vai mudando pouco a pouco, tão pouco a pouco que nem nota, e quando vê já é outra pessoa que não aquela de um ano atrás.

Mas tem horas que até no corpo o tempo resolve fincar bandeira, assim mesmo, de sopetão, estabelecendo seu território sem rodeios. E no meu, ele calhou de fincá-la num lugar um tanto inusitado. Foi de um dia pro outro. Tenho certeza de que no banho anterior ele não estava lá. Mas assim que tirei a roupa, neste minuto, desta hora, deste dia, lá estava, brilhando com a luz fluorescente do banheiro, o meu primeiro pentelho branco.

Não pude conter o meu espanto. Convivo há tantos anos com meus cabelos brancos que nem lembro quando encontrei o primeiro fio. Mas nunca, em tempo algum, alguém havia me dito que o efeito prateado se estenderia para além da minha cabeça. Na minha ignorância etarista, me convenci de que até o tempo teria algum pudor em lançar suas garras sobre meus pêlos pubianos.

Ainda tomada pelo susto, tratei imediatamente de arrancar o bendito com uma pinça e depositá-lo dentro do vaso branco, onde o vi sumir sem deixar rastro. Fui dormir certa de que havia sido apenas um engano. Certamente era loiro. Talvez marrom bem clarinho. Afinal, se pentelhos brancos realmente existem, com certeza não aparecem antes dos 40.

Na semana seguinte encontrei mais dois, que foram devidamente arrancados e meticulosamente analisados. Eram de fato brancos.

Junto com a descoberta de que o tempo havia inexoravelmente chegado à minha virilha, veio o questionamento. Havia me custado tanta evolução interna para ser capaz de abraçar o passar do tempo, por que então, o pentelho me causava vergonha? A resposta era óbvia. Por que trata-se de um pentelho, essa palavra que, ouso dizer, talvez seja até mais polêmica do que os já muito polemizados mamilos. Basta ler a seção de comentários em qualquer post em que a atriz Bruna Linzmeyer apareça de biquíni em seu perfil no Instagram. E então me pergunto: se ostentar pentelhos já é considerado um ato revolucionário, seriam os pentelhos brancos a última fronteira da libertação do corpo feminino?

O que posso afirmar é que, independentemente da cor dos meus pêlos, sigo trabalhando para cultivar um certo romantismo sobre esse processo de acumular vida. Me dizem os mais velhos que mais cedo ou mais tarde o romantismo acaba e, pasmem, não é com a chegada dos pentelhos brancos. Segundo eles, costuma ser lá quando o corpo começa a deixar a gente na mão. Eis então uma resolução de ano novo que tratei de fazer poucos dias atrás: fazer mais agachamento e arrancar menos pentelhos.

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