Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Joanna Moura
Descrição de chapéu Todas Relacionamentos

Ainda dá tempo de fugir

Adoraria que, como sociedade, tivéssemos avançado a ponto de coletivamente termos percebido quão inapropriada era aquela placa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando casei, dez anos atrás, fizemos uma cerimônia para marcar a ocasião. Nem eu nem meu marido somos religiosos, portanto, nos permitimos abrir mão de certas tradições em troca de criar um rito que melhor nos representasse. No lugar da igreja, optamos por um gramado à beira mar. No lugar do padre, escolhemos um grupo de amigos para proferir algumas palavras.

Ao olhar para as fotos que permanecem até hoje num pen drive, percebo que, uma década mais tarde, o evento envelheceu bem. Ainda gosto do vestido que usei, ainda escolheria a mesma decoração, e jamais me arrependi da decisão (aos 45 do segundo tempo) de gastar meus últimos centavos para contratar a banda do meu bloco de Carnaval de rua preferido.

Ao olhar para as fotos que permanecem até hoje num pen drive, percebo que, uma década mais tarde, o evento envelheceu bem - Batoev/Adobe Stock

Há uma única exceção a essa paz de espírito proveniente da sensação de olhar para trás e seguir confortável com as escolhas feitas no passado. Trata-se de uma placa carregada por um dos pajens que desfilou pelo corredor que levava ao altar minutos antes de mim. Nela lia-se o nome do noivo e a frase: "Ainda dá tempo de fugir".

Nem lembro de quem foi a sugestão de ter a placa como parte da cerimônia. Lembro que a ideia não veio nem de mim nem do noivo, mas prontamente aceitamos a piada como parte do conceito do casamento leve, desconstruidão. No dia da cerimônia, a escolha pareceu ter sido acertada. A placa cumpriu seu papel. De mãos dadas com meu pai, ainda escondida no ambiente que levava ao tal gramado, pude ouvir o riso dos convidados ao lerem a placa.

Por trás da piada estava, claro, essa ideia de que aliança é "bambolê de otário" (expressão que ouvi tantas vezes ao longo da vida), de que o homem é esse lobo solitário e que se casar vai contra a própria natureza masculina. Por trás da placa estava a mensagem subliminar de que aquela união seria de interesse apenas meu e que o noivo, coitado, estava lá à sua própria revelia.

Dez anos se passaram e eu adoraria que, como sociedade, tivéssemos avançado a ponto de coletivamente termos percebido quão inapropriada era aquela placa. Até porque tudo indica que a realidade é inversa. Estudos apontam que homens são os que mais se beneficiam do casamento. Homens casados são mais saudáveis, mais bem-sucedidos e vivem mais. Não só isso, em casamentos duradouros, quando questionados sobre a qualidade da vida a dois, homens tendem a atribuir uma nota mais alta aos seus relacionamentos do que suas companheiras.

Ainda assim, homens teimam em afirmar o contrário. Esses dias dei de cara com um vídeo de um ator afirmando, numa roda de conversa com outros homens, que se arrepende de não ter feito um "contrato de namoro" em um de seus relacionamentos. Segundo suas próprias palavras, isso fez com que o namoro fosse considerado um casamento, o que o levou a ser "seriamente prejudicado juridicamente" quando o relacionamento chegou ao fim. Fico imaginando quais seriam os moldes dessa relação que era tão séria a ponto de precisar de um "contrato de namoro", mas que tão claramente não se tratava de um casamento. Resta ter piedade desse coitado que não conhecia a lei de união estável e se viu preso na armadilha do matrimônio não consentido.

Ainda na semana passada, a internet foi inundada pelas especulações sobre o fim do relacionamento do ganhador do BBB24. Não entrarei aqui no mérito da veracidade ou não das fofocas, até porque não acompanhei o programa e nada sei sobre essas pessoas. Mas em meio ao burburinho, a sensação que ficou ecoando aqui dentro de mim é que seguimos como sociedade reforçando a mesma narrativa da plaquinha com a qual meus convidados se divertiram dez anos atrás: a de que um homem com o futuro em suas mãos ainda tinha tempo para fugir.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.