Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu feminismo

Ninguém quer ser alvo da ira feminista, então o mais seguro é ficar quieto

De um dia de gentilezas, o dia das mulheres está sendo transformado em um dia de "luta"

Por alguma inexplicável lacuna, cheguei à idade adulta sem a mais vaga ideia de que existia um dia da mulher e de que se esperava algum tipo de parabenização ou mesmo presente para elas. Por isso, nunca foi espontâneo para mim dar felicitações nesse dia. Sorte a minha. De um dia de gentilezas, está sendo transformado em um dia de "luta", e os homens não estão sabendo lidar. Vejo-os em dúvida: é para dar parabéns, ou isso é ofensivo? Ninguém quer ser alvo da ira feminista, então o mais seguro é ficar quieto. Amigas me relatam a diminuição das mensagens de parabéns. 

Mesmo quem ousou desejar um "Feliz dia da mulher" o fez de maneira cautelosa. Pode dar flor? Pode dar chocolate? (Não me consta que nem a militante mais radical tenha rejeitado esse presente.) Alguns tentaram inovar e, em vez do tradicional parabéns, escreveram manifestos em apoio à luta feminina. Coitados, esses foram pisoteados com mais força que qualquer um, pela audácia de roubar os holofotes no dia delas.

Para as empresas, o dia é um campo minado. Algumas lojas do McDonald's se gabaram de que teriam apenas funcionárias mulheres; não pegou bem. A marca de cuecas Zorba recomendou aos homens que escolhessem uma roupa de baixo especial. Não se lembraram que, para certa ala do feminismo, imaginar que as mulheres tenham qualquer desejo ou interesse em seus parceiros homens é já um pensamento machista. Não é dia de amor, e sim de luta!

A metáfora da luta se justifica pela premissa básica da qual o movimento parte: a de que no mundo atual a mulher é uma vítima de terrível e constante opressão. Viver é uma luta e um sofrimento. Nenhum momento de humor, nenhum momento de doçura, nenhum momento de vulnerabilidade é possível até que chegue a igualdade. Até que esse dia chegue, só resta protestar e, se possível, se empoderar.

Empoderar-se pode significar coisas muito diferentes, dependendo para quem se pergunte. Para algumas, é tomar conta da própria vida, saber se afirmar mesmo diante de oposição, aprender a lidar com os obstáculos e injustiças do mundo, e seguir em frente, dando o seu melhor. Para outras, é reconhecer sua condição de vítima oprimida do machismo estrutural e gritar cada vez mais alto contra a injustiça. Para umas, é a autoafirmação enquanto indivíduos capazes, independente do gênero. Para outras, é a imersão numa couraça coletiva determinada pelo gênero. Umas se sentem à vontade recebendo uma gentileza. Outras, não.

Ao menos entre as mulheres com quem conversei, nem todas estão convencidas de que essa belicosidade toda vem para o bem. Nenhuma gosta de atos cavalheirescos cheios de pose, ainda mais quando vêm das mesmas pessoas que as desrespeitam no resto do ano. Tampouco querem, contudo, viver em um mundo em que os homens jamais lhes dessem flores.

Ou seja, um mundo em que jamais fossem tratadas como uma beleza delicada e, portanto, frágil e vulnerável em alguns contextos. Querer mais respeito e oportunidade para mostrar seu valor não precisa vir no mesmo pacote da abolição dos papéis de gênero, dos quais poucas pessoas estão dispostas a abrir mão completamente. Como em tantos outros debates contemporâneos, há dois caminhos a seguir: da união e conflito; do amor e ressentimento. Um dia das mulheres sem flores não acabará com a violência e a discriminação; mas pode deixar a vida bem mais cinzenta.

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