Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello
Descrição de chapéu dia da mulher

A dificuldade de tirar do papel as leis contra o fiu-fiu 

Na Bélgica, em Portugal e na Finlândia, são muito raras condenações por assédio nas ruas

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Mulheres usam fitas vermelhas em seus rostos durante marcha do Dia Internacional da Mulher na avenida Paulista, em São Paulo
Mulheres usam fitas vermelhas em seus rostos durante marcha do Dia Internacional da Mulher na avenida Paulista, em São Paulo - Paulo Whitaker/Reuters

A França está debatendo a adoção de uma lei que punirá o assédio nas ruas com multa de até 750 euros (R$ 3 mil).

Será punido quem for flagrado fazendo “proposta ou pressão de caráter sexista ou sexual”, comentários “que afetam a dignidade da pessoa” ou criar uma “situação intimidadora, hostil ou ofensiva” —isso inclui palavras obscenas, assobios, ou seguir alguém.

A lei vem em boa hora: segundo levantamento do governo francês, 89% das mulheres da região de Paris que usam transporte público afirmaram já ter sido assediadas física ou verbalmente.

Contrariando Catherine Deneuve e companhia, que criticam o suposto “puritanismo sexual” do movimento #metoo, a maioria dessas mulheres não tolera os “porcos” que se esfregam nelas no ônibus ou sussurram obscenidades na calçada.

Mas a medida tem sido criticada por alguns setores, que apontam que leis semelhantes fracassaram em Portugal, na Finlândia e na Bélgica, onde já estão em vigor.

Em Portugal, onde as cantadas na rua são conhecidas como “piropos” (galanteios), mulheres ouvem frases como “comia-te toda”,  “queres pela frente ou queres por trás?”, “dava-te três sem tirar”, “se fosses minha mãe, mamava até aos 30”.

A lei —que na realidade se trata de uma nova redação de um artigo do código penal— pune “propostas de teor sexual” com pena de prisão até um ano, ou três se forem dirigidas a menores de 14 anos.

“Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contato de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” 

Mas desde que a legislação entrou em vigor, em 2015, houve várias denúncias por “importunação sexual” (que inclui piropos), mas nenhuma condenação, segundo os dados mais recentes disponíveis.
 
Na Bélgica, a lei foi introduzida em 2014 e até agora só um homem foi condenado —um sujeito que ofendeu uma policial referindo-se ao gênero dela. Ele levou uma multa de 3 mil euros (R$ 12 mil), mas ainda pode recorrer.

A lei proíbe atos ou frases que denotam desprezo por uma pessoa por causa de seu gênero ou a reduzem a sua dimensão sexual.
 
Segundo policiais, a maioria das vítimas não se animava a ir até a delegacia prestar queixa. E também é difícil que haja testemunhas no local, ou que a polícia flagre o crime.
 
Na Finlândia, onde a lei entrou em vigor em 2016 (mas só vale para assédio físico na rua, não basta uma cantada obscena), só 20 pessoas foram multadas no ano passado.

Mesmo assim, acho que usar a régua das condenações para medir a eficácia dessas leis não é justo. Como disse Benjamin Griveaux, porta-voz do governo Macron, trata-se de uma batalha cultural.

A ideia é que essas leis sejam um instrumento de dissuasão, que os homens vejam que “mexer” com as mulheres na rua não é mais aceitável e que as mentalidades comecem a mudar.

E, pouco a pouco, que as mulheres não mais se sintam ameaçadas ou constrangidas ao andarem nas ruas.

Mesmo sem condenações, acho que o simples fato de essas leis existirem são um recado claro —o mundo mudou, pessoal.

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