O descontraído programa de entrevistas Flow Podcast foi palco de um choque de duas visões sobre a responsabilidade no uso da informação.
No episódio em questão, a advogada Gabriela Prioli (convidada) contestou Monark, um dos apresentadores, que repetira um discurso de senso comum. A advogada exigiu os dados que embasavam a posição do apresentador, que admitiu partir apenas de sua própria experiência e que isso não deveria impedi-lo de se expressar.
Mas ela também não via sentido em discutir naqueles termos. O debate chegara a um impasse. Quem tinha razão? A troca de questionamentos, poucos minutos numa conversa que durou horas, correu a internet.
Prioli representou aí a posição tradicional. Antes das redes sociais, os espaços para formadores de opinião eram poucos, e todos eles passavam por algum crivo institucional de um jornal, um canal de TV, uma universidade, um governo etc. E com esse lugar privilegiado vinha a expectativa de que seu ocupante tivesse um conhecimento ou uma profundidade de análise que o destacasse do resto da sociedade. Se fosse para repetir o senso comum, ele não mereceria estar ali.
Hoje, a lógica é outra. As redes sociais acabaram com a limitação dos espaços. Qualquer um pode falar diretamente ao grande público, sem a necessidade de crivo editorial. A questão é que as habilidades que fazem de alguém um influenciador carismático, capaz de engajar o público, não têm ligação necessária com conhecimento, capacidade analítica ou profundidade intelectual acima da média. Pelo contrário: é até mais fácil ficar famoso justamente dando voz às opiniões e sentimentos do público.
A cobrança por “dados”, neste novo mundo, soa arrogante. É o discurso do especialista que se julga acima de seu interlocutor, desmerecendo sua percepção espontânea da realidade. Via de regra, o especialista tem mesmo mais conhecimento. Perante um público de não especialistas, contudo, a internet o coloca em pé de igualdade com outro interlocutor.
Onde há demanda, haverá oferta. Se um influenciador resolver estudar antes de falar, calando-se num primeiro momento para só dar sua opinião quando se julgar preparado, outros falarão em seu lugar. Quem silencia desaparece. E como ninguém quer perder relevância, fama e, muitas vezes, dinheiro, é certo que ninguém vai se calar.
Portanto, já que todo mundo continuará falando, por mais despreparado que seja, o mais produtivo é engajar-se na conversa e trazer, aí sim, os dados ou fatos relevantes que desmintam o achismo de senso comum que vem do outro lado. Introduzir dados na discussão, mantendo o tom coloquial, sem jargões.
Por vezes aceitar a premissa do interlocutor e mostrar aonde ela leva, e quais as alternativas a ela.
Assim, não adianta cobrar responsabilidade. A educação não se dará mais num momento anterior ao debate; se dará durante e depois dele, com o participante ou espectador provocado a saber mais por não ter resposta ao novo argumento ou dado a que foi exposto.
É bastante otimista imaginar uma elevação do grau de informação e racionalidade do público. Eu diria que há uma chance igual de que essa busca por dados para sustentar uma tese torne o público não mais bem informado, mas mais polarizado, cada um mais entrincheirado em seu erro. É, no entanto, um caminho sem volta.
O velho mundo da informação controlada por algumas instituições ficou para trás e nunca voltará. Bom ou mau, temos que aprender a interagir nesse novo meio em que todos —merecedores
ou não— têm voz e palco.
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