Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Sexo petista

App de relacionamento para pessoas de esquerda busca segregar o desejo

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Uma das principais virtudes do Brasil é colocar os relacionamentos pessoais e familiares acima dos vínculos coletivos e ideológicos.

É possível ser melhores amigos e votar nos candidatos opostos. Pai e filha podem ser de direita e esquerda que nem por isso deixam de se falar. Petista e bolsonarista podem se conhecer no bar ou no trabalho e engatarem um namoro.

Ou pelo menos podiam. A moda agora é segregar o desejo. É o que propõe o PTinder, projeto de aplicativo de relacionamentos —já anunciado com muita fanfarra— para pessoas de esquerda. Não basta apenas discordar politicamente de alguém; é preciso também deixar de desejá-la. Existe diferença entre as duas coisas?

Se a moda pega, perderemos uma importante força que empurra na direção contrária da guerra política: o amor. Uma sociedade inteiramente guiada pela política vive ou na tirania ou na guerra civil. O sexo é uma força subversiva, que corta as barreiras da ideologia e da moral vigentes. Nem sempre os opostos se atraem, mas quando eles se atraem, os dois saem ganhando.

A segregação física das pessoas é essencial para a ideologia prosperar. Só assim ela é capaz de manter a ilusão de que os seguidores são pessoas melhores ou particularmente diferentes de seus inimigos.

Há canalhas, pessoas decentes e santos em qualquer grupo —OK, santos talvez não. Quando restringimos nossa convivência a um grupo só, fica fácil esquecer que as pessoas são muito mais parecidas entre si do que nossa vaidade gosta de admitir.

Nos extremos —e, hoje em dia, especialmente na extrema direita— mora muita gente que não deve ser exatamente um bom partido; pessoas a quem alguma questão psicológica mal resolvida leva a se entupir de ideologia.

Mas esses seres de cartolina são a minoria: no grosso da direita e esquerda estão pessoas normais, cujas opiniões políticas (assim como a religião e o time de futebol) dizem pouco sobre quem são na vida real. Um voto não define a personalidade de ninguém.

O PTinder não apenas filtrará os bolsonaristas radicais da lista de pretendentes da petista em busca do amor. Limará todo mundo que não pertence ao pequeno curralzinho do partido.

Claro que esse aplicativo, se vier mesmo a ser feito, jamais fará cócegas nos aplicativos que não atrapalham o nobre valor do sexo com a baixeza da política. E ele mesmo é pouco mais que uma jogada de marketing do PT (que, assim como Bolsonaro, se beneficia e estimula a polarização).

Elika Takimoto, uma das criadoras do prometido app, é militante petista de longa data. E já traz consigo a malandragem característica da sigla. Nem o nome ali é acidente. Afinal, é uma rede de relacionamentos “de esquerda” que escolheu ter PT no nome. A mensagem: a esquerda é o PT e vice-versa.

Nem sequer é original. No início do ano, foi criado o grupo de Facebook “Bolsolteiros”, para reunir bolsonaristas à procura de um par romântico. Não consta que tenha decolado. Ambos são sintomas, contudo, de uma sociedade que se polariza e que perde o desejo de enfrentar esse processo.

Já imaginou algo tão sem graça quanto o primeiro date do PTinder? Duas pessoas tão inseguras que se encontram apenas com quem sabem de antemão que repetirá os mesmos chavões que elas já sabem de cor.

Os líderes políticos gostariam de restringir o desejo de seus seguidores às estreitas quatro paredes do discurso permitido. Felizmente, a natureza fala mais alto que as ideias. No Brasil, ela grita.

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