Imaginemos assim. O maluco beleza dá as boas-vindas a Rita Lee com um sorriso largo —"Rita, você me traz 'Ouro de Tolo' quando penso em como viveu tanto tempo. Lá embaixo, a vida segue, e nós, aqui em cima, só podemos observar".
Ao lado, Cazuza esboça um sorriso encantado. "Verdade, Rita. Mas é também um fato que 'O Tempo Não Para' e, mesmo aqui de cima, é fascinante ver como nossa arte assume uma existência autônoma após a partida. Talvez a morte precoce tenha intensificado a apreciação de nossas melodias, nossas letras."
Em nosso cenário imaginado, Raul Seixas, Cazuza, Renato Russo e Cartola acolhem Rita Lee em um éden musical. Os ícones da música brasileira, cujas vidas foram ceifadas prematuramente, lamentam a perda, mas também expressam um vislumbre de inveja pela longevidade dela.
A forma e o modo como a morte é confrontada pelos artistas exerce um forte impacto na maneira como nos recordamos deles. Por um lado, a morte prematura os envolve em uma aura de tragédia e romantismo, conferindo-lhes uma qualidade quase mítica; por outro, a carreira longeva permite a construção de um acervo vasto e a evolução na sua arte, enriquecendo o legado, o que concede a chance de seccionar sua carreira em diferentes fases, com autonomias diferentes.
Ninguém tem dúvidas de que o Caetano Veloso de "Transa", "Noites do Norte" ou "Meu Coco" pertencem a épocas e "vidas" diferentes. Por isso mesmo os artistas que viveram menos deixaram uma marca forte, e ninguém tem dúvidas de que, com o seu desaparecimento prematuro, ficamos sempre a perder.
Há, entretanto, na atualidade, um terceiro elemento nessa equação: a tecnologia. A era digital desempenha um papel fundamental na preservação e na disseminação da obra desses artistas, perpetuando-a e tornando-a praticamente ubíqua, disponível para as futuras gerações.
Também por isso, hoje mais que nunca, a arte transcende a vida e a morte. A despeito de terem vivido mais ou menos, nossos grandes ídolos conseguiram se imortalizar, e as suas obras estão aí, servindo-nos de lembrete. A vida é sempre efêmera, a arte é sempre eterna.
Como amantes da música, precisamos aprender a lidar com a morte de nossos ídolos. São seres humanos como nós, submetidos à mortalidade. Valorizar e preservar o legado artístico é a melhor forma de honrar suas memórias. Mas, para cada um de nós, mesmo que não o formulemos conscientemente, o mais trágico é perceber a "outra" dimensão do impacto da morte dos nossos heróis. Como eles muitas vezes representam a nossa juventude, desaparecimento deles nos coloca mais perto da morte.
Isso é um soco no estômago.
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