Neste ano a imprensa debruçou-se com avidez sobre um tema palpitante, ou que pelo menos o foi na época: os 50 anos das manifestações políticas que impressionaram o mundo em 1968. Foi também o ano em que suplemento de Turismo da Folha passou a ser publicado em cores.
Para quem, como eu, está interessado nas duas coisas —as esperanças e desencantos de maio de 1968 e o ganha-pão deste caderno— é curioso perceber como mudaram as duas coisas (o mundo, o jornalismo de turismo) em meio século.
O mundo era maior naqueles meados do século 20. As conexões já existiam, até que rápidas para os padrões dos séculos anteriores. Mas viajar entre continentes era caro e demorado: aventuras para fora do Brasil aconteciam raramente. Falar de viva voz com outro país, com palavras atropeladas pela urgência dos preços, ainda assim era caro; restavam as cartas, com seu preguiçoso prazo de ir e vir, ou os telegramas, monossilábicos e frequentemente trágicos.
Ainda assim, com o ainda lento trânsito da informação, movimentos como os de 1968 —da primavera de Praga às passeatas brasileiras— contaminavam o mundo. As notícias e o vírus do inconformismo e da rebeldia viajavam em ritmo de missão Apollo rumo aos céus. Ou, no mínimo, mais rápido do que lenta marcha de um turista rumo a suas férias.
Minha primeira viagem internacional foi na década seguinte, mas exemplificava bem como as coisas aconteciam para a maioria dos viajantes. Ir até a Europa não era impossível, mas tinha seus obstáculos.
Voos internacionais eram abundantes, mas não exatamente baratos. Ainda por cima, o governo da ditadura inventara uma taxa que deveria ser depositada antes da permissão para viagem, portanto era preciso ter uma grana a mais além da passagem e da hospedagem. Para completar, o mesmo governo tornara os aeroportos focos de torturantes momentos de vigilância sobre opositores suspeitos.
No meu caso, para chegar a Paris, era mais barato ir primeiro a Casablanca, porque, além de mais perto, a companhia marroquina não participava dos acordos das empresas aéreas e por isso conseguia oferecer tarifas mais baixas.
De lá, tomar uma conexão para Madri, pela mesma companhia. E, dali a Paris, pegar um trem (antes, acertar o relógio para o fuso local, para não perder o trem —proeza que eu, passageiro de primeira viagem, consegui realizar).
As passagens eram compradas via agências de viagem, quando hoje qualquer adolescente pode pesquisar, pagar e emitir seu bilhete em minutos.
E, para decidir onde ir, tínhamos as revistas e os cadernos de turismo. Não que fossem exatamente confiáveis. Existia (e ainda vive até hoje) uma curiosa abordagem do turismo, como se a cobertura do assunto fosse mais uma doce ficção, destinada a embalar os sonhos do leitor, do que um relato da realidade, com altos e baixos. Afinal, quantas pessoas, além do habitué Paulo Maluf, ficariam no hotel Plaza Athénée de Paris ou passariam uma temporada num chalé no Taiti?
Lembro que, 30 anos atrás, quando me propus a criar um caderno de comida na Folha, usava os suplementos de turismo como contraexemplo. A rara cobertura de gastronomia inclinava-se a edulcorar as delícias dos pratos, omitindo falhas, erros e decepções. Da mesma forma que, na cobertura de turismo, só existiam praias “paradisíacas”.
Eu me perguntava: será que só eu conheço praias com mosquitos, areia dura e águas poluídas? Será que mesmo praias lindas não podem ter ao menos um dos inconvenientes acima? No mundo de sonhos dos cadernos de turismo, não.
Hoje a cobertura de turismo amadureceu um pouco. O leitor não é somente visto como um sonhador estéril (ou, pior, como mero receptor de informação patrocinada), mas como um consumidor com direito a ter informação.
Na trajetória de aperfeiçoamento dos cadernos de turismo, há um desafio a mais. É derivado do fato de que, como na gastronomia, sempre deve existir um espaço de sonho: é curioso como um leitor pode se deleitar lendo uma receita mesmo sem saber cozinhar; ou como pode transportar-se para a subida dos Himalaias mesmo tendo medo de altura.
O que coloca aos jornalistas uma tarefa: a de ser informativo, preciso e, ao mesmo tempo, expor de forma atraente prós e contras desse mundo de encanto. Da mesma forma que, na política, cinquenta anos após 1968, é preciso ser informativo sem esconder que a democracia está novamente ameaçada por golpistas de verde-amarelo e protofascistas.
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