Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Abaixo o tabu: pizza no almoço!

Motivos insondáveis tornam certas comidas tabus a depender do horário e país

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Esta semana abriu em São Paulo, e fui visitar, uma nova pizzaria e forneria chamada Foglia, no bairro da Vila Nova Conceição. Fica no espaço, remodelado e agora mais caloroso, do antigo Kurah (que, por sua vez, transferiu-se para Pinheiros), dos mesmos donos.

A expertise pizzaiola está a cargo do chef Franco Ravioli (que se notabilizou durante anos com sua rede Pizza Bros.) e seu filho Lorenzo, que se debruça também por outros itens italianos do cardápio.

Fiquei curioso em saber se o belo forno a lenha estaria também em ação durante o dia, já que a informação era de que a casa funcionaria também no almoço. A resposta é "não". Durante o almoço haverá um bufê de saladas, opções diárias de pratos quentes de extração italiana, sugestões leves e sobremesas que passam longe do portentoso forno.

Ocorreu-me, uma vez mais, como é curiosa a idiossincrasia que repele certos alimentos em certas horas do dia, sem muita lógica, ou até contra a lógica mais comezinha. São Paulo orgulha-se de sua íntima relação com a Itália, e pela excelência de tantas pizzarias. Mas se há tanta ligação das culturas alimentares, por que não se come pizza também no almoço, como lá?

Em Buenos Aires se come pizza também no almoço; por que no Brasil não? - Divulgação

Vêm-me à cabeça as imagens de tanta gente –a começar por meus filhos– que vibra com a ideia de ter nacos de pizza (mesmo fria!) logo pela manhã... então, se vale para o café da manhã, por que não enfrentar a pizza fumegante, saindo do forno, no almoço?

É porque nenhum restaurante oferece? É porque os ansiosos pela pizza da manhã não acorreriam às pizzarias abertas ao meio-dia, mesmo que as houvesse? Talvez os dois motivos alimentem este tabu alimentar (mas não o explicam).

Certamente não se trata de uma escolha imperiosa da natureza humana, tanto que, na Itália, não apenas se encontra pizza para almoçar, como é habitual também ver pessoas que as comem a qualquer hora –lembro bem a imagem de crianças, em uniforme escolar, caminhando pelas ruas com suas fatias retangulares na mão.

Também no hemisfério sul, e bem aqui na vizinhança, temos outra cidade que, como São Paulo, é muito marcada pela migração italiana, e onde pizza é muito bem-vinda também no almoço: Buenos Aires. Então é difícil entender por que, tão próximos que somos dos portenhos, herdamos de forma diferente uma mesma tradição gastronômica.

Chega a ser curioso ver pessoas saindo das academias e comendo um "almocinho leve", uma saladinha com um grelhado (na verdade, uma fritura na chapa fingida de grelhado), e guardando a pizza para... o jantar.

Quando fisiologicamente (para quem quer manter a forma de estátua grega), o melhor seria o contrário –entupir-se de carboidrato durante o dia, e deixar a tal saladinha para a noite, pois pizza, macarrão, arroz e quejandos, consumidos no fim do dia, é que sabotam todo o suor deixado no bolso dos donos de academia.

Falo tanto do fenômeno da pizza, mas não é o único no mundo que me intriga. Nunca vou entender, por exemplo, por que no Peru, num tabu invertido, só se come ceviche no almoço.

Sim, o prato é uma glória nacional, chega a ser uma atração turística do país; no entanto, teime o turista em chegar ao país no meio da tarde, e prepare-se para encontrar todas as cevicherias com as portas arriadas.

Se quiser consolar-se com um peixe cru (ou quase), o visitante poderá socorrer-se em restaurantes japoneses, lá conhecidos como nikkey; mas, para o glorioso ceviche, terá de esperar pelo almoço do dia seguinte.

À noite, se quiser cozinha típica, mesmo que seja um atleta zeloso do equilíbrio de sua massa corpórea, lhe restarão pratos como, por exemplo, a causa, delicioso purê de batatas recheado, uma bomba de carboidrato para inundar seu paladar e invadir sua noite com pesadelos de culpa.

Vai entender.

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