Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu machismo

Cássio no mundo das mulheres

Goleiro corintiano comandou o abraço coletivo ao demissionário técnico Cuca

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Sobre Cássio há uma unanimidade: trata-se do maior goleiro da centenária história do Corinthians.

Na semana passada ele defendeu seu 28º pênalti e virou também o que mais evitou gols da marca fatal com a camisa alvinegra, embora vestisse amarelo.

Assim, classificou o time para as oitavas de final da Copa do Brasil e evitou o vexame da eliminação por parte do Remo, da Série C nacional.

É possível discutir se Cássio é o melhor goleiro da história corintiana, que teve Gylmar, Carlos e Dida, mas mais decisivo e vencedor que ele não tem.

O goleiro Cássio em partida do Flamengo contra o Corinthians no Maracanã - Carl de Souza - 19.out.22/AFP

Há outras certezas em torno do homenzarrão de 1,96 m prestes a completar 36 anos.

Ele tem mãe, irmã, é casado com uma mulher e tem uma filha.

Ao comandar o abraço em Cuca, condenado (atenção: a palavra é condenado, não acusado) por estupro, Cássio fez tábula rasa dessas quatro mulheres de sua vida, para não falar das avós etc.

Assim como ele, todos os demais que participaram do gesto de infame solidariedade tiveram ou têm, no mínimo, mães e avós.

Róger Guedes ainda quis ensinar jornalismo e direito ao pedir provas de algo transitado em julgado desde 1989.

Tudo em nome deste machismo anacrônico que insiste em ficar como tatuagem na alma masculina, insensível às dores das mulheres, tratadas como inferiores.

A atitude do capitão Cássio lembrou uma outra, de apoio a um também goleiro, o negro Jairo, em 1980.

Ele foi acusado pelo então presidente Vicente Matheus de ter falhado na derrota para o Coritiba, seu clube antes de ir para o Corinthians, por 1 a 0. Matheus considerou "estranho" o gol, embora em chute indefensável.

No jogo seguinte, contra o Grêmio, no Morumbi, assim que Sócrates fez 2 a 0, tratou de atravessar o campo inteiro para abraçar o companheiro, imediatamente acompanhado pelo time todo.

Zé Maria, o Super Zé, capitão do time, considera que ali foi plantada a semente da Democracia Corintiana que viria à luz dois anos depois, com parte dos jogadores que estavam em campo, como Wladimir e Biro-Biro, além dele mesmo e do Doutor.

Cássio comandou a repetição da História como farsa e alimentou os miseráveis defensores do indefensável que infestam os comentários com falsas analogias sobre penas perpétuas, ausência de protesto quando Cuca trabalhou em outros clubes, tudo fruto de desinformação ou má-fé, pura desonestidade intelectual travestida de bom-mocismo.

Somos um povo que padece de doenças estruturais como o racismo, o machismo e a homofobia, repleto de gente que se recusa a aprender, a mudar de atitude, a reformular procedimentos e vocabulário.

O futebol, obviamente, reflete tais mazelas em escala planetária, e serão necessárias décadas para mandá-las a escanteio.

Enquanto os novos tempos não chegam, será preciso enfrentar o obscurantismo com as armas da crítica, sem esmorecer, sem temer incompreensões ou injustiças e, também, com o humor para desmoralizar a hipocrisia dos que usam o discurso para esconder as ações degradantes.

Sem paternalismo, sem concessões aos complacentes, sem dó nem piedade dos que escolheram trocar a Democracia Corinthiana pela Demagogia Corintiana, aí incluída a Gaviões da Fiel, outra que se prestou a um triste papel, agora sob direção de quem nega suas origens.

Enfim, maior que a vergonha acabou sendo a resistência que pôs a cidadania acima do futebol. Ainda bem!

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