O escritor uruguaio Eduardo Galeano gostava tanto do jogo de bola que em época de Copas do Mundo botava um cartaz na porta de casa: "Fechado por motivo de futebol".
Virou até título de livro dele com uma porção de escritos sobre o Rei Pelé, o vice-rei Maradona, outro monarca como o francês Zidane e por aí afora.
Na última terça-feira (17), Galeano certamente teria ido dormir feliz com a vitória da Celeste por 2 a 0 sobre a seleção brasileira pentacampeã mundial.
Afinal, havia 22 anos e 12 jogos que os uruguaios não ganhavam dos brasileiros, e ganhar sempre é gostoso. Como perder sempre é chato.
Amante do jogo bem jogado, Galeano estaria feliz, não orgulhoso.
De todos os 29 jogadores que participaram do clássico sul-americano de tanta história, talvez só um merecesse dele alguma crônica — o centroavante Darwin Núñez, do Liverpool, autor do primeiro gol e do passe para o segundo.
Aos 24 anos, ele tornou dispensáveis os veteranos Suárez e Cavani, ambos aos 36 anos, embora ainda úteis ao Grêmio e ao Boca Juniors, respectivamente.
Galeano provavelmente não concordaria em ser privado da arte de Dom Arrascaeta, embora dedicasse atenção a Loco Bielsa, tipo que merece até romance.
O imortal escritor de "As Veias Abertas da América Latina", falecido aos 75 anos, em 2015, vítima do tabagismo, ficaria mesmo inconformado com o que viu no time de camisa amarela, bem ele, admirador de tantos jogadores que a vestiram com formosura.
Galeano não gostava de comparações, sempre se negou a comparar Maradona e Messi, dizia ser impossível, porque um trazia a bola colada aos pés e o outro a trazia dentro dos pés.
"Pobre de quem vive a medir as pessoas", achava.
Pode ser, e, além do mais, excepcional é passar tanto tempo invicto contra seleções tão respeitáveis como as uruguaias. Não há desonra alguma em perder no lendário Centenário.
Mas, tenha paciência, ver a seleção brasileira fazer a primeira finalização com mais de uma hora de jogo e a segunda, e última, na cobrança de falta por Rodrygo no travessão é chato demais, irritante, quase desesperador.
Fernando Diniz é o menos culpado, até porque está no cargo de treinador de passagem e a convite, não pediu nem se ofereceu.
Além do mais, Tite também comandou times nada brilhantes, assim como Felipão e Dunga.
Dá até vontade de dizer que o futebol jogado na América do Sul perdeu o encanto, mas daí a rara leitora e o raro leitor lembrarão o colunista de que a Argentina é a atual campeã mundial e Messi continua capaz de produzir lances e gols mágicos como fez contra o Peru, em Lima, na sequência da aborrecida noite em Montevidéu.
A classificação para a monstrenga Copa do Mundo de 2026 com 48 equipes é tão certa como contar com Neymar revela insistência no erro que vem já de muito tempo.
E, se ele não puder estar nos jogos de novembro, contra Colômbia, lá, e Argentina, no Maracanã, é possível que venha a ser o azar que trouxe sorte, a solução —noves fora a contrariedade dos imprudentes e perdulários sauditas.
Entre uma cerveja e dois cigarros, Galeano culparia a mercantilização excessiva do futebol moderno, acusaria a ganância como a principal responsável, mas olharia para Messi, Mbappé, Haaland, Bellingham e concordaria que não é bem assim.
Quem sabe, hoje, pusesse o cartaz: "Fechado por falta de futebol".
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