Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

O que há para esquecer do tetra

Nem tudo da inédita conquista nos EUA deve ser rememorado com alegria e orgulho

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Parece que foi ontem e, na verdade, foi mesmo ontem, 30 anos atrás, 17 de julho.

A seleção brasileira ganhava o tetracampeonato inédito na história das Copas do Mundo.

Era ela ou a Azzurra, como havia acontecido em 1970, quando se disputou a primazia do primeiro tricampeonato, vencido pelo Rei Pelé e companhia bela.

Fazia um calor de rachar mamona e cozinhar os miolos em Pasadena, na Califórnia.

A Fifa teve o péssimo gosto de marcar a final para as 12h30. A temperatura chegou aos 45º graus no gramado em que brasileiros e italianos jogaram 120 minutos sem marcar um mísero gol, na terra que queria conquistar e que curte contagens altas. Um desastre como propaganda e marketing.

A tribuna da imprensa no estádio Rose Bowl ficava sob o sol senegalesco do verão californiano.

A imagem mostra um grupo de jogadores de futebol vestindo uniformes amarelos e azuis, celebrando com medalhas no pescoço. Um dos jogadores está segurando um troféu dourado. Ao fundo, há uma bandeira do Brasil sendo levantada. Todos parecem estar felizes e comemorando uma vitória.
Jogadores brasileira após a conquista do tetracampeonato mundial nos EUA - Pisco del Gaiso - 17.jul.1994/Folhapress

Encostar a mão na tampa do computador era convite a queimá-la e, a partir da prorrogação, nem água havia mais para saciar a sede dos jornalistas —pense no padecimento dos jogadores.

Cinco fileiras atrás de mim havia três adoráveis repórteres italianos que desde 1982, na Copa da Espanha, sempre que nos encontrávamos mostravam três dedos e brincavam: "Paolo Rossi, tre!" — alusão, é claro, aos três gols do carrasco de Sarriá que eliminou a seleção de Telê Santana, Cerezo, Falcão, Leandro, Sócrates e Zico.

Dias antes, no café da manhã, Dunga e Romário me convidaram a dividir a mesa com eles.

Estranhei tamanha gentileza e só depois me dei conta do por quê.

Do nada, em meio ao desjejum, o Baixinho garantiu: "Se a decisão for para os pênaltis eu, que não gosto e não costumo bater, não vou fazer como seus amigos de 82 e 86, que deixaram garotos como Júlio César e Branco baterem pênaltis contra a França. Vamos bater os mais velhos".

Dunga concordou: "Também não gosto de bater, mas vou bater".

Branco tinha 22 anos no México, em 1986, e Júlio César, que mandou o pênalti na trave, tinha 23.

De fato, em 1994, Dunga e Romário cobraram, e converteram, os pênaltis que garantiram a tetra, embora Márcio Santos, de 24 anos, também tenha batido, e perdido, a primeira cobrança.

Era provocação do capitão da seleção e do melhor jogador da Copa, enciumados com a idolatria despertada pelo time de 1982, a quem chamavam de "geração de perdedores".

Na Espanha eu havia coberto minha primeira Copo in loco e nos Estados Unidos estava na quarta, com três frustrações nas costas e meio convencido de que dava azar.

Então, quando Roberto Baggio, aos 27 anos, bateu o quinto pênalti, e mandou a bola nas alturas, depois que outro genial italiano, Franco Baresi, aos 34, também havia desperdiçado, assim como Massaro, 33, defendido por Taffarel, explodi.

Explodi e cometi um daqueles atos que se pudesse voltar no tempo apagaria de minha vida.
Virei-me para os três amigos italianos, mostrei o dedo do meio e gritei: "Vaffanculo!".

O olhar atônito do trio está vivo em minha retina até hoje.

Tão logo sentei para terminar o texto que escrevia para a revista Placar, dei-me conta da cafajestagem cometida.

Tentei recuperar minha imagem diante do trio ao levantar e aplaudir a Azzurra na subida para receber suas medalhas.

Imediatamente senti alguma coisa bater na nuca.

Um copo, felizmente vazio. Ou não. Estivesse cheio eu beberia.

Nem olhei para trás. Desnecessário constatar de onde viera.

Até porque era merecido.

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