Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juliano Spyer
Descrição de chapéu Eleições 2022

Lula entra no 'chão de fábrica' pentecostal

Ao se associar a pastor sem vínculo com projetos da esquerda, PT faz o que sempre criticou em Bolsonaro e em líderes religiosos: instrumentalizar a fé

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A indicação do ex-presidente Lula do pastor Paulo Marcelo, amigo do deputado bolsonarista Marco Feliciano, como seu interlocutor junto a eleitores evangélicos deixou "surpreso" o teólogo pentecostal Kenner Terra. Professor de ciências da religião, ele ficou impressionado com a radicalidade do gesto que dá a Lula acesso ao "chão de fábrica" do mundo evangélico. Para o pastor Alexandre Gonçalves, uma liderança da frente Cristãos Trabalhistas ligada ao PDT de Ciro Gomes, é a primeira vez que o PT está dialogando com um "evangélico real", com a cara do pentecostal das periferias.

A manobra pode garantir a vitória petista, ao atrair para a campanha pentecostais, inclusive pobres, que abraçaram o bolsonarismo nos últimos anos, mas representa um risco tanto para Lula quanto para Paulo Marcelo.

Ao abraçar a campanha petista, o religioso joga fora anos investidos em relacionamentos dentro do mundo evangélico. Ele se desenvolveu profissionalmente como pastor itinerante e seu rendimento vinha do convite para pregar em igrejas. Se depender do círculo social que vê –e tem razões para ver– a esquerda como inimiga da religião e da família tradicional heteronormativa, o pastor poderá ser banido desse meio.

O pastor Paulo Marcelo, que lidera projetos para aproximar PT e evangélicos - Eduardo Knapp/ Folhapress

Para se ter uma ideia do grau de rejeição que ele está atraindo, o apóstolo e deputado estadual Luiz Henrique denunciou na tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará que está sendo perseguido por pastores por ter recebido –apenas recebido– em sua igreja o pré-candidato Ciro Gomes. Um outro pastor do sul do país foi posto "na geladeira" do circuito das igrejas, não por apoiar outros candidatos, mas por fazer críticas abertas a Bolsonaro.

Lula pode se dar mal em vários níveis. Ele trouxe para seu lado um pastor com a reputação suja perante parte de seus pares, por um escândalo envolvendo porte ilegal de arma em 2014. Ao escolher Paulo Marcelo, o ex-presidente também rompeu unilateralmente e sem aviso prévio com evangélicos que, defendendo pautas da esquerda, comprometeram suas reputações frente a sua comunidade religiosa. Pior: ao se associar a um pastor sem vínculos com os projetos da esquerda, o PT faz aquilo que a esquerda sempre criticou em relação a Bolsonaro e outros líderes religiosos: instrumentalizar a fé.

Mas o prêmio para o sucesso dessa colaboração é alto. Ela simboliza uma aproximação entre o Partido dos Trabalhadores e a Assembleia de Deus, uma rede de igrejas que reúne mais de 12 milhões de fiéis. Pentecostais são os evangélicos mais numerosos e que mais crescem no país, e também os que estão mais próximos da pobreza. Um terço deles tem renda mensal igual ou inferior a meio salário mínimo.

Já Paulo Marcelo pode estreitar sua relação com Lula, o candidato com maior chance de vencer a eleição. Se o religioso entregar o que têm potencial para fazer –abrir a porta das igrejas e dos corações dos pentecostais para o PT–, possivelmente continuará atuando como interlocutor entre o talvez futuro presidente e igrejas, parlamentares e empresários evangélicos.

Lula aliou-se a um evangélico originário dos Gideões Missionários, um grupo com imenso simbolismo e importância entre pentecostais. Paulo Marcelo é um pastor itinerante proeminente e por isso rodou o Brasil falando para audiências de "evangélicos reais". Seu nome é conhecido e ele tem acesso ao WhatsApp de muitos pastores e lideranças pentecostais. Apesar do escândalo de 2014, ao mandar suas mensagens, agora ele se apresenta como interlocutor do candidato mais cotado para vencer a eleição este ano. Por isso, o cientista político Vinicius do Valle afirmou, a partir de uma extensa pesquisa de campo entre pentecostais, que grupos da Assembleia já sinalizam estarem abertos para dialogar com o PT.

O outro lado acusou o golpe. O ministério Belém da Assembleia de Deus soltou nota explicando que o pastor não está mais ligado à organização, que hoje tem vínculos com o presidente Bolsonaro. E o pastor Silas Malafaia foi às redes atacar a reputação de Paulo Marcelo. Se achassem que o novo aliado do PT não representa um risco, não teriam se dado ao trabalho.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.