Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

É revolucionário ver igrejas como prestadoras de serviços

Economista britânico analisa religião como plataforma que promove relacionamentos

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Pesquisadores do Observatório da Religião do Cebrap anunciaram na semana passada que 65% das instituições religiosas no Brasil com CNPJ são evangélicas. São mais de 104 mil organizações associadas a esse ramo do cristianismo. E o número deve aumentar, porque 1/4 do total ainda não está classificado. Mas faz sentido chamar essas entidades de igrejas?

No recém-lançado "The Divine Economy" (a economia divina), o economista Paul Seabright examina igrejas não como instituições religiosas, mas como prestadoras de serviços. Para ele, religiões podem ser vistas como negócios "cuja atividade principal consiste em reunir vários grupos de pessoas." Igrejas oferecem serviços variados, materiais (como creche, cesta básica) e espirituais. E promovem relacionamentos que não aconteceriam em outros contextos.

Falamos, com frequência, sobre o uso político da religião. Mas a influência de organizações evangélicas é o resultado de sua presença e atuação em outros domínios da vida.

Capa de 'The Divine Economy', de Paul Seabright
Capa de 'The Divine Economy', de Paul Seabright - Reprodução

Já é razoavelmente conhecida a ação de igrejas onde o Estado não está presente. Destaco a relevância, por exemplo, das atividades voltadas para crianças e adolescentes no contraturno escolar para famílias cujos pais trabalham fora. O crime corteja esses jovens.

É menos conhecida a atuação da igreja como escola. Na frente das Assembleias de Deus, a segunda maior organização religiosa do país depois da Igreja Católica, é comum haver uma placa anunciando cursos para alfabetização de adultos. Mas fiéis estão continuamente expostos a outras situações de aprendizado. Eles falam em público quando dão testemunhos; analisam textos quando preparam aulas para a escola dominical; participam da gestão de seus templos.

Igrejas também compõem um ecossistema comunicacional que emerge das redes de relacionamentos que Seabright analisou. Templos da mesma organização já são interligados. E eventos interdenominacionais —de acampamentos de jovens a shows gospel, Marchas para Jesus e Christ Summit— ampliam a capilaridade dessas conexões. As conversas, via redes sociais e grupos de WhatsApp, acontecem a partir de uma linguagem comum: a da Bíblia.

Na pandemia, o isolamento social amplificou o "soft power" cristão para influenciar quem não é evangélico. Pense no especial do pastor Deive Leonardo na Netflix, nas dicas de investimento do Eduardo Feldberg no canal Primo Pobre e no best-seller "Café com Deus Pai", do pastor Junior Rostirola.

Não são 104 mil igrejas; são 104 mil espaços de convívio que provêm cuidado, facilitam encontros e estimulam, treinam, reúnem e interligam cerca de 70 milhões de brasileiros. É disso que estamos falando.


spyer@uol.com.br

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