A língua portuguesa é pródiga em encantos e mistérios. Sonora, poética, esbanja sinônimos e figuras de linguagem.
O “h” no início de uma palavra parece detalhe a conferir charme ao que vem depois. “Seo” Hilário, meu pai, tinha sérias críticas em relação a isso e costumava dizer que ele era cheio de graça, sim, mas hilariante era demais.
O que dizer então dos “s” e “c”, terror de todos os jovens em fase de letramento. Bendito sejam os corretores automáticos da atualidade, que nos impedem de continuar errando.
Fato é que, se alguns olhos acusam fácil e rapidamente o erro, ouvidos pouco atentos ou marotos levam a brincar com as palavras homófonas, aquelas que apresentam a mesma fonética, porém com escrita e significado diferentes. Cela ou sela? Sinto ou cinto?
De todas as palavras capciosas, com duplo sentido fonético, que conheço, nenhuma é mais perigosa do que cem e sem. Enquanto sem indica falta, ausência, coisa alguma, cem é um numeral que representa uma centena. Da ausência ao cem é nada ou tudo. Sem história, sem teto, sem título. Cem anos, um século. E quantas coisas podem acontecer nesse lapso temporal chamado de século.
Neste domingo, 2 de agosto, o Brasil comemora seu centenário olímpico, iniciado com a participação em Antuérpia: 18 atletas, todos homens. Que história! E como os começos nesta terra parecem sempre épicos, o marco olímpico brasileiro não poderia ser diferente. Foi uma estreia digna de filme, com desencontros, atos heroicos, incertezas e medalhas.
Em 1920, os Jogos Olímpicos ainda se firmavam como um grande evento, de caráter internacional, que se propunha a atar a união entre os povos e, naquele momento histórico, promover a paz abalada pela 1ª Guerra Mundial.
A viagem do grupo brasileiro se concretizou dez dias antes da partida do navio Curvello. Diante da escassez de tempo e dinheiro, os atletas foram hospedados em cabines de terceira classe, o que levou muitos deles a dormirem nos restaurantes do navio.
Durante uma escala na Ilha da Madeira, foi confirmado que o navio aportaria em Antuérpia uma semana após as competições de tiro terem iniciado. A decisão, então, foi desembarcar o grupo de atiradores em Lisboa para que eles seguissem a viagem de trem.
Consta que no trajeto por terra a delegação foi roubada, chegando ao local da competição sem os alvos e com munição insuficiente para a disputa.
Coube ao atleta Afrânio da Costa a tarefa de buscar as condições necessárias para competir. Aproximou-se da delegação americana, oferecendo ajuda em um jogo de xadrez e, a partir daí, contou com a simpatia da equipe, que lhe doou mil cartuchos para armas calibre 38, mil cartuchos para armas calibre 22 e cinquenta alvos, fabricados especialmente para o concurso.
Essa atitude favoreceu a conquista das primeiras medalhas olímpicas brasileiras da história, todas elas no tiro: uma de ouro, com Guilherme Paraense, uma de prata, com Afrânio da Costa, e uma de bronze por equipes, com Afrânio da Costa, Dario Barbosa, Fernando Soledade, Guilherme Paraense e Sebastião Wolf.
A história olímpica brasileira começa assim e segue muitas vezes sem apoio, mas com 100% de determinação por parte de quem é o maior legado olímpico: os atletas.
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