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Bukele e seu próximo assalto constitucional

O caminho está livre para que Bukele consiga que El Salvador passe de uma semidemocracia para uma ditadura

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Ignacio Arana

Doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh, é especialista em comportamento presidencial e no estudo comparativo das instituições políticas latino-americanas

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Seus 39 anos, cabelo penteado para trás, vestir-se informalmente e vício no Twitter —de onde ele ordena a demissão de funcionários ou comunica decretos— poderiam confundi-lo com um amador.

Mas o presidente de centro-direita de El Salvador, Nayib Bukele, sabe o que faz. Ele tem tido uma carreira política fulgurante.

Começou sendo eleito em 2012 como prefeito de uma pequena cidade, Nuevo Cusclatán. Em 2015 ganhou a prefeitura da capital, San Salvador. E em 2018 fundou o partido Novas Ideias, uma plataforma eleitoral que o ajudou, apesar de ter competido pelo partido Gana para vencer as eleições presidenciais em 2019.

Eleito em uma democracia em dificuldade, em menos de dois anos conseguiu subjugar os outros dois Poderes do Estado. Neste ano, Bukele se prepara para constitucionalizar a deriva autoritária de seu governo quando revelar, em setembro, seu projeto de lei de reforma constitucional.

Os críticos temem que Bukele busque fortalecer a autoridade do Executivo e tente manter o poder após 2024, quando expira seu mandato de cinco anos.

O desmantelamento da democracia salvadorenha tem sido sistemático e vertiginoso.

Tal como Hugo Chávez rompeu com o bipartidarismo do Copei e da Acción Democrática ao ganhar as eleições presidenciais de 1998 na Venezuela, Bukele rompeu com o duopólio mantido pelo Arena na direita e pelo FMLN na esquerda desde os Acordos de Paz de 1992.

Tanto na Venezuela como em El Salvador, o sistema partidário estava desprestigiado e os candidatos vencedores criaram partidos centrados em sua personalidade, apresentando-se como “outsiders” que prometiam sepultar a corrupção e as oligarquias que a sustentavam.

Desde então, Bukele não deixou de cometer uma longa lista de ultrajes contra seus oponentes, sejam eles indivíduos, organizações ou instituições.

Suas fintas às regras e práticas democráticas evocam as lendárias filigranas do “Mágico González”, o lendário jogador de futebol salvadorenho, no Cádiz dos anos 1980.

De acordo com a Freedom House, em 2019 El Salvador passou de “livre” para “parcialmente livre”. Neste ano, Bukele poderia consagrar-se como ditador.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, faz o sinal da vitória com as duas mãos durante entrevista à imprensa em San Salvador
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, durante entrevista à imprensa em San Salvador - Jose Cabezas - 6.jun.2021/Reuters

O jovem presidente consolidou notavelmente seu poder quando o Novas Ideias venceu as eleições de 28 de fevereiro e obteve dois terços da Assembleia Legislativa, ganhando 56 das 84 cadeiras.

Somados aos partidos aliados Gana, PCN e PDC, adicionam-se ao governo oito cadeiras legislativas, que o permite legislar sem oposição.

Em seu primeiro dia de sessões, a nova legislatura demitiu os juízes da Sala Constitucional da Suprema Corte e o procurador-geral, o que na prática permitiu que governo controle o Poder Judiciário.

Além de subordinar os três Poderes do Estado, Bukele politizou os militares e a polícia.

Basta lembrar que em fevereiro de 2020 ele cercou as ruas de acesso ao Palácio Legislativo com a polícia e entrou no edifício com soldados armados para intimidar os deputados e induzi-los a aprovar um pedido de empréstimo para financiar seu plano de segurança pública.

Em um ato que o retrata, durante o assalto ele calmamente se sentou na cadeira do presidente da Assembleia Legislativa e disse: “Está claro quem tem o controle aqui”. Então rezou e se retirou em silêncio. Como um verdadeiro bastardo.

A capacidade de Bukele de dobrar vontades e subjugar instituições é baseada em sua popularidade.

Apesar das críticas da imprensa nacional e internacional, ele é extraordinariamente popular —assim como Chávez, particularmente em seus primeiros passos autoritários— e teve índices de aprovação superiores a 90% durante boa parte de seu mandato.

O passo que falta agora para Bukele é constitucionalizar seu despotismo tropical-tuitero, algo para o qual ele já tem um projeto cuja estreia está prevista para setembro (desde que a coceira autoritária não o apresse).

No mesmo mês de 2020, o governo anunciou uma comissão liderada pelo vice-presidente Félix Ulloa para elaborar um projeto de reforma constitucional.

Embora o governo tenha assegurado que o objetivo é atualizar e aperfeiçoar a Constituição atual, descartando “eliminar a alternância no exercício da Presidência da República”, jornalistas, acadêmicos, políticos e líderes da sociedade civil temem que Bukele procure usar a Constituição para consolidar seu poder e revogar o artigo 258 para se reeleger para a cadeira presidencial.

Um millenial tradicional

Embora Bukele tenha sido eleito com apenas 37 anos, o millenial abraça uma tradição centenária.

Uma considerável parte dos chefes de governo latino-americanos que deixaram sua marca desde o século 20 manipularam as constituições para satisfazer as suas necessidades autoritárias.

Contornaram, suspenderam, reformaram ou substituíram para aumentar as atribuições do presidente, permanecer no poder por mais tempo, ou ambos.

Líderes tão emblemáticos como Juan Domingo Perón e Carlos Menem da Argentina, Evo Morales e Victor Paz Estenssoro da Bolívia, a dinastia Somoza e Daniel Ortega da Nicarágua, Marcos Pérez Jiménez e Hugo Chávez da Venezuela, Alberto Fujimori do Peru e Rafael Correa do Equador, para citar alguns, foram bem-sucedidos em seus esforços para estender seus mandatos.

Apoiador do governo da Venezuela segura retrato de Hugo Chávez em Caracas, no oitavo aniversário da morte do líder que presidiu o país de 1999 a 2013
Apoiador do governo da Venezuela segura retrato de Hugo Chávez em Caracas, no oitavo aniversário da morte do líder que presidiu o país de 1999 a 2013 - Yuri Cortez - 5.mar.2021/AFP

Na terra natal de Bukele, Salvador Castañeda tentou prolongar seu mandato em 1948, mas foi expulso em um golpe militar.

Em todo caso, a lista é longa. Segundo dados que recolhi tanto das biografias presidenciais como das Constituições nacionais, entre 1945 e 2012, 31 presidentes de todos os países latino-americanos (exceto o México) e de todos os regimes políticos —democracias, semidemocracias e ditaduras— tentaram em 40 ocasiões mudar ou reinterpretar a Constituição para se manter no poder além de seu mandato. Tiveram sucesso em 29 ocasiões.

O que se pode esperar?

Prever acontecimentos é arriscado. Protestos em massa ou traições internas podem sempre mudar o rumo de um governo autoritário.

Mas o caminho está livre para que Bukele consiga neste ano que El Salvador passe de uma semidemocracia para uma ditadura, como foi até 1992.

Em El Salvador não existem instituições ou organizações com capacidade aparente para detê-lo.

Os Estados Unidos não parecem ter a vontade de ir além da pressão diplomática, a OEA (Organização dos Estados Americanos) é fiel à sua incapacidade de impedir regressões autoritárias, e os demais governos da região se esquivam à interferência soberana.

Uma das grandes incógnitas é se El Salvador exportarará o autoritarismo para Guatemala e Honduras, as duas semidemocracias com as quais o país compartilha fronteiras porosas, presidentes de direita com tendências autoritárias e políticos de alto nível envolvidos em corrupção.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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