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Relações China-Brasil: reflexões sobre um centenário

É difícil para os brasileiros identificarem quais seus interesses nacionais na interlocução com o Partido Comunista chinês

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Maurício Santoro

Doutor em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro)

No dia 1º de julho, o Partido Comunista Chinês completa cem anos de fundação.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil, destino de mais de 1/3 das exportações nacionais, mas há pouco debate no país acerca dos impactos do sistema político da nação asiática para as relações sino-brasileiras. O centenário partidário é ocasião importante para a reflexão sobre o tema.

O Partido Comunista é fruto de muitas correntes distintas de pensamento político: o marxismo e a Revolução Russa de 1917, mas também a efervescência do Movimento de 4 de Maio de 1919, uma das principais fontes de renovação cultural chinesa no século 20.

Em Pequim, chineses exibem bandeirinhas chinesas durante exibição cultural que integra as comemorações do 100º aniversário do Partido Comunista da China
Em Pequim, chineses exibem bandeirinhas chinesas durante exibição cultural que integra as comemorações do 100º aniversário do Partido Comunista da China - Noel Celis - 28.jun.2021/AFP

É herdeiro de diversos intelectuais e grupos que buscaram fortalecer a China ao longo do “século das humilhações” de intervenções estrangeiras e ocupações que foram da Guerra do Ópio (1839) à Revolução de 1949.

Essa origem –mais plural do que normalmente se supõe– ajuda a entender o papel que o partido tem desempenhado na condução do desenvolvimento chinês desde o início do processo de abertura e reformas de Deng Xiaoping, em 1978.

Quando Jiang Zemin foi secretário-geral (1989-2002), o partido adotou a doutrina das “três representações”, segundo a qual representa os interesses da maioria da população chinesa, o desenvolvimento das forças produtivas avançadas e a orientação da cultura superior.

Em termos práticos, é uma formulação mais inclusiva que a ortodoxia marxista, permitindo a incorporação de empresários e uma visão mais voltada para o fortalecimento nacional do que para instigar a luta de classes.

Desde o início da gestão de Xi Jinping (2012), há maior ênfase no papel do partido em supervisionar o trabalho do setor privado, com maior controle sobre empresas e mais atenção a problemas sociais como desigualdade, pobreza e preservação do ambiente.

O presidente da China, Xi Jinping, que também é secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da China, acena para membros do partido, em Pequim
O presidente da China, Xi Jinping, que também é secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da China, acena para membros do partido, em Pequim - Xie Huanchi - 29.jun/2021/Xinhua

Permanece, contudo, a visão de longo prazo de que a missão do Partido Comunista é promover o desenvolvimento da China e tornar o país novamente uma grande potência, respeitada internacionalmente.

As lideranças partidárias falam em ser uma “sociedade moderadamente próspera”, isto é, um país que escapou à armadilha da renda média e alcançou boa qualidade de vida, ainda que não na mesma escala de uma nação rica.

Os marcos nesse processo são justamente dois centenários: 2021 e 2049. Os aniversários de cem anos da fundação do partido e da revolução comunista.

Implicações para o Brasil

O Brasil ainda enfrenta o desafio de formar uma geração de especialistas em China, com fluência no idioma, entendimento da cultura e vivência do país.

Esse é um projeto de longo prazo, que tem sido dificultado pela escassez de recursos para pesquisa científica.

Em grande medida, o conhecimento acerca de temas chineses consumido no país vem de fontes nos Estados Unidos e na Europa e com frequência tem trazido as marcas negativas dos conflitos sino-ocidentais dos últimos anos, das disputas em torno de comércio, direitos humanos e temas militares.

É difícil para os brasileiros identificarem quais seus próprios interesses nacionais na interlocução com o Partido Comunista da China e o que é simplesmente um reflexo de preocupações em voga em Washington, Berlim, Paris ou Pequim.

Contudo, essa reflexão é cada vez mais necessária. A diplomacia partidária dos chineses ganhou em importância e não mais se limita a grupos marxistas ou à esquerda. Abrange também conservadores, liberais, todo o espectro ideológico.

O Partido Comunista chinês não mais busca exportar seu modelo ideológico, como fazia no período maoísta, mas procura afirmar a legitimidade de sua trajetória nacional, contar sua versão dos fatos e se defender de críticas.

Essa agenda tem muitos pontos de convergência com seus interlocutores brasileiros, como a identificação de oportunidades de comércio e investimento, de iniciativas ambientais como o combate à mudança climática, de cooperação educacional e científica e visões acerca do desenvolvimento.

Outros pontos merecem cautela, sobretudo quando implicam conflitos com outros parceiros importantes do Brasil, como Estados Unidos e União Europeia.

Tais conversas são também boas ocasiões para que os atores sociais brasileiros reafirmem o compromisso brasileiro com a solução pacífica de conflitos, o respeito ao direito internacional e às regras das organizações multilaterais, em questões tão diversas como contenciosos comerciais, disputas de fronteiras ou conflitos em torno de direitos humanos.

A pandemia tem demonstrado a importância fundamental da China para o Brasil, do comércio exterior à obtenção de insumos médicos contra o coronavírus.

Também mostrou que a relação sino-brasileira se tornou objeto de controvérsias político-partidárias, tensionando os entendimentos entre os dois governos.

Nesse contexto é especialmente importante para os brasileiros –na administração pública, empresas, universidades– pesquisas e reflexões mais profundas acerca do papel do Partido Comunista no Estado chinês.

Só com conhecimento e informação será possível lidar com essas crises.

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