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'A longo prazo, estaremos todos mortos'; talvez mais cedo

Se não levarmos as emissões zero isso em conta, empurraremos nossas sociedades para a extinção

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Leonardo E. Stanley

Economista e pesquisador no Centro de Estudios de Estado y Sociedad (Cedes), na Argentina

"A longo prazo estaremos todos mortos" é provavelmente a frase mais conhecida do famoso economista J. M. Keynes, com a qual em 1923 quis chamar a atenção para a urgência de abandonar o padrão ouro e assim evitar a depressão. As medidas eram necessárias a curto prazo; o longo prazo não importava.

Mas as circunstâncias mudam e os significados também. Desde o início de 2020, uma data que poderia bem definir o início do novo milênio, a humanidade enfrenta outra crise, desta vez causada por uma pandemia com efeitos que vão além da esfera econômica. Entretanto, os problemas associados a qualquer crise –desemprego, aumento da pobreza, etc.– empalidecem em comparação com as conseqüências que o mundo poderia sofrer se a temperatura média global subisse acima de 2°C.

Estaríamos, portanto, na presença de novos problemas: um efeito dominó com conseqüências de longo alcance. A incerteza é profunda, e poderemos ver o surgimento de fenômenos imprevistos e perturbadores, com impactos de todos os tipos. E seria inútil olhar para o passado em busca de respostas, pois os modelos tradicionais não nos serviriam de guia.

Os fenômenos climáticos implicam em fortes riscos físicos com amplas repercussões econômicas. Embora as explicações pareçam desnecessárias, considere um empresário cuja fábrica está localizada em uma área propensa a tornados ou qualquer outro evento climático. As conseqüências são óbvias: a deterioração ou perda de seu ativo de capital (estoque) afetaria suas vendas (fluxos).

Numa perspectiva mais ampla, os efeitos da mudança climática são cada vez mais devastadores para as economias nacionais. Ela afeta variáveis macro, tais como emprego, investimento ou balanço de pagamentos, influencia o sistema financeiro –maiores riscos, custos financeiros, estabilidade– e também impacta nas finanças públicas através de receitas fiscais, dívida ou preços de títulos soberanos.

​Reduzindo o risco de perdas

Acelerar o progresso para reduzir o risco da mudança climática, reduziria, por sua vez, o risco de perda. A médio prazo, isto poderia ser alcançado através de avanços tecnológicos, redução de custos de equipamentos renováveis, implementação de regras e regulamentos, e consumo verde.

No entanto, avançar nessa direção aumenta o risco financeiro associado ao problema dos ativos irrecuperáveis: a perda de valor dos ativos intensivos em carbono. Obviamente, este tipo de situação também é prejudicial para as empresas, reduzindo a rentabilidade dos produtores intensivos em carbono que acabam achando mais rentável produzir com menor capacidade ou fechar completamente a fábrica.

O surgimento deste problema também tem repercussões macroeconômicas sobre o emprego, os investimentos, o PIB e a balança de pagamentos, afetando severamente os países exportadores de petróleo e gás. Obviamente, uma queda nas vendas externas afetaria os cofres públicos e a estabilidade do sistema financeiro.

Cada vez mais, os investidores já consideram que estes riscos devem ser internalizados em suas decisões. Os formuladores de políticas também os devem ter em conta, pois colocam em perigo a estabilidade macroeconômica dos países, quanto qualquer possibilidade de desenvolvimento futuro. E se os riscos macro-financeiros da transição não forem considerados e o processo acabar sendo imposto pelos principais parceiros comerciais, as perdas podem ser ainda maiores.

América Latina e a exploração dos recursos naturais

A América Latina segue um modelo de inserção global baseado na exploração de recursos naturais, sendo a exploração de petróleo uma das indústrias-chave de vários países. Não importa a orientação política, quem se apropria das rendas, ou se são governos neoliberais ou neo-desenvolventistas, pois ambos estão comprometidos com os combustíveis fósseis como fonte de divisas. Seja na Colômbia, Venezuela, Brasil, Argentina, Peru, Equador ou Guiana, todos os governos continuam a apostar em hidrocarbonetos.

Apesar dos sinais vindos dos principais parceiros comerciais, os governos da região continuam a concorrer a áreas de exploração, seja offshore, como no caso da Argentina, ou na Amazônia, como no caso do Equador. Estes investimentos, cuja rentabilidade depende de subsídios, perderão inexoravelmente todo o valor num futuro não muito distante. E esta situação não está sendo levada em conta nas previsões macroeconômicas dos analistas.

Tal inconsistência impede que aqueles no poder vejam os graves problemas de balança comercial que nos esperam, a crise de emprego que surgirá entre aqueles que continuam a apostar na exploração do petróleo, ou a necessidade de gastar recursos fiscais para aliviar a crise financeira que se aproxima.

A ameaça da mudança climática dá novo significado à frase de J.M. Keynes e nos força a olhar a macroeconomia através de uma lente diferente. A grave situação em que nos encontramos devido à pandemia exige estratégias claras para sair da crise, mas sem nos atar a objetivos que são contraditórios com os desenhos da transição. Precisamos agir agora, considerando as conseqüências futuras de nossas ações.

Não podemos pensar em uma estratégia de recuperação sem considerar o objetivo de emissões zero a médio prazo. Se não levarmos isso em conta, empurraremos nossas sociedades para a extinção, e não mais a longo prazo.

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