A pandemia do novo coronavírus trouxe grandes desafios aos tomadores de decisão, em especial nos países com poucos recursos e baixa influência no cenário internacional.
Com a piora da Covid-19 da região, cujos índices de disseminação são os maiores do mundo, a situação nos sistemas prisionais merece atenção redobrada da sociedade e dos administradores do sistema de justiça criminal.
Um cenário de novas variantes do vírus, subnotificação e uma possível terceira onda, pode resultar num quadro dramático de infecções e mortes tanto dos presos quanto dos profissionais que trabalham nos sistemas prisionais.
Duas preocupações emergiram logo na primeira fase da disseminação da doença. Uma recaía sobre a possibilidade de um genocídio biológico nos sistemas prisionais, marcados pela superlotação, péssimas condições sanitárias e baixo acesso a serviços médicos.
A outra incidia sobre a possibilidade dos parques prisionais servirem como bombas-relógio para contaminação e recontaminação das populações, devido ao grande fluxo que caracteriza as prisões.
Maiores taxas de encarceramento
Segundo dados do WPB (World Prison Brief, Institute for Crime & Justice Policy Research), os países da América Latina têm mais de 1,6 milhão de pessoas privadas de liberdade (15,55% dos presos no mundo), com uma taxa média de 273 presos por 100 mil habitantes. Entre 2006 e 2016, a população presa na América Latina aumentou em mais de 660 mil pessoas, um crescimento em torno de 71%.
El Salvador, Cuba, Panamá, Costa Rica e Brasil são os países da América Latina com as maiores taxas de encarceramento, bem acima da maioria dos demais países do mundo. O Haiti, país com a menor taxa de encarceramento no bloco, está próximo da mediana das taxas mundiais.
Considerando o aumento das taxas de encarceramento, em uma década, Venezuela, El Salvador, Peru, Guatemala e Nicarágua mais que dobraram seus números. Enquanto Cuba e México tiveram retração nesse indicador.
Frente a esse enorme contingente de pessoas sob custódia dos Estados, a pandemia do novo coronavírus impôs que diversas medidas fossem tomadas para controlar a disseminação da doença nos presídios.
Essas atitudes podem ser pensadas em três fases distintas: as ações iniciais, tomadas sob o impacto da descoberta do vírus e reconhecimento de sua gravidade e alcance; o vale, período entre a primeira e segunda onda que na América Latina vai do terceiro trimestre de 2020 ao final do mesmo ano; e o surgimento de novas variantes do vírus na passagem para o ano de 2021.
Divergência entre punitivistas e grupos pró desencarceramento
Em comum a todos esses períodos está a intensificação da disputa entre grupos mais punitivistas e os defensores de formas alternativas de resolução dos conflitos, notadamente grupos pró desencarceramento.
Essa ação aumentou o isolamento dos presos, prejudicou o acesso a itens básicos de higiene e gerou uma onda de protestos e rebeliões em várias unidades nos primeiros meses da pandemia.
Na segunda fase, se intensificou a queda de braço entre os defensores de menos presos e as vertentes a favor de mais punição.
No Brasil, que conta com 45% dos presos da região, os defensores do encarceramento entraram numa disputa retórica, argumentando que haveria danos à sociedade ao soltar “criminosos perigosos” e alegando que o isolamento dos presos garantiria mais segurança aos detentos, uma vez que o risco de contágio e de morte seriam menores nas prisões.
Dentre os tomadores de decisão pública que deram declarações nessa direção pode-se citar os ministros Sérgio Moro (ex Ministro de Justiça) e Luiz Fux (Ministro do Supremo Tribunal Federal).
Por outro lado, a recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aconselha os tribunais e magistrados na adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo.
Dentre elas estão recomendações de controle sanitário e desencarceramento, como, por exemplo, liberdade para pessoas de grupo de risco e progressão de penas. Os estudos sobre os impactos dessa recomendação mostram que não houve alteração na ação dos juízes ou redução significativa da população presa.
O primeiro contraponto às posições mais punitivas está no fato de que grande contingente da população presa, ou não cometeu crimes violentos, ou está sob a condição de preso provisório.
Sobre a posição de que as prisões são locais mais seguros, há um equívoco demográfico ao comparar a população em geral com a população presa. Isso porque o segundo grupo é constituído predominantemente de jovens, que até o advento de novas cepas da doença, é o grupo menos suscetível à infecção e morte.
A necessidade de priorizar presos na vacinação
Dois pontos chamam atenção. O primeiro é a aceleração dos óbitos a partir de janeiro de 2021, principalmente a partir de abril do mesmo ano.
Em segundo, está o aumento acentuado de óbitos registrados pela CNJ de servidores. Considerando que o número de profissionais que trabalham no sistema prisional brasileiro é bem inferior ao total de presos, isso indica uma subnotificação de óbitos das pessoas privadas de liberdade no Brasil.
Se por um lado é um dever dos Estados preservar a vida de seus custodiados, por outro, as prisões não constituem sociedades à parte, impactando e sendo impactadas pela propagação de doenças nesse fluxo: dentro e fora das unidades.
No Brasil, a solução do problema passa por levar a sério a recomendação nº 62 por parte dos magistrados e, claro, na priorização da população prisional no plano de vacinação, incluindo obviamente servidores e familiares.
No panorama de escassez de vacinas e lentidão da imunização em toda América Latina é fundamental que se entenda a importância da imunização desse grupo específico - para preservação da vida, para cumprimento dos compromissos constitucionais e para preservação de toda sociedade.
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