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AMLO impulsiona reforma que poderia reinstaurar o monopartidarismo

Argumento apresentado é que os parlamentares que chegam ao congresso por representação proporcional não têm legitimidade

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Alejandro García Magos

Professor de ciência política da Universidade de Toronto e doutor pela mesma universidade. Especializado em democracia e autoritarismo no México. Editor sênior de Global Brief Magazine

O presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) quer eliminar os deputados “de partido”, aqueles que chegam ao congresso através da representação proporcional. A Câmara Baixa do México tem um sistema de representação misto integrado por 500 deputados: 200 “de partido” ou plurinominais e 300 majoritários para cada um dos distritos eleitorais em que o território se divide. O presidente diz que seu objetivo é garantir a democracia. “Para que tantos deputados? Por que não remover os 200 deputados plurinominais?". Qual é o truque? Fácil: eliminar os deputados “de partido” abre a possibilidade de nos levar de volta ao monopartidarismo que o México experimentou nos anos 1970.

A grama do vizinho sempre é mais verde

O argumento apresentado pelo partido no poder é que os parlamentares “de partido” não têm legitimidade democrática suficiente. Sugerem que respondem exclusivamente a seus partidos e seus líderes (a “partidocracia”). Também dizem que os parlamentares “de partido” não estão conectados com a “gente”, como estariam os majoritários que têm de correr atrás para ganhar votos em seus distritos eleitorais.

O assunto é engraçado quando visto do Canadá, onde os partidos de esquerda pedem o contrário. Pedem para abolir os distritos eleitorais e adotar o método de representação proporcional para todo o país, de forma que a porcentagem de votos de cada partido se reflita claramente em sua porcentagem de assentos no Parlamento. Seu principal argumento é, ironicamente, semelhante ao da AMLO: os 338 membros do parlamento, um para cada distrito eleitoral em que se divide o país, não refletem os sentimentos do povo. Isto porque o sistema majoritário castiga os partidos minoritários e cria maiorias “artificiais”, o que não seriam justas e nem democráticas, dizem eles.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), discursa em uma tribuna; ele sorri e estende a mão direita
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) - AFP

O sistema eleitoral de cada país responde ao seu desenvolvimento político. No caso mexicano, não é exagero dizer que a transição democrática começou com a introdução dos deputados “de partido” em 1977. Graças a esta reforma eleitoral, os partidos da oposição conseguiram obter representação no Congresso, e isto numa época em que o hegemônico Partido Revolucionário Institucional (PRI) varreu cada um dos círculos eleitorais. Por outro lado, o sistema majoritário canadense é um legado direto da tradição Westminster, comum a muitos países da Comunidade Britânica de Nações.

Quem vê cara, não vê corações

Um olhar mais atento revela que, em muitas das vezes, os políticos que querem mudar as regras eleitorais são motivados pelo oportunismo de curto prazo. No México, o partido governista esquece que foi um dos principais beneficiários do sistema misto de representação nas eleições de 2015. Naquele ano, o Movimento de Regeneração Nacional (Morena) de AMLO participou pela primeira vez das eleições federais, recebendo 35 deputados quando só ganhou em 14 distritos.

Já se sabe que o poder muda as pessoas, e agora que Morena é a maioria, procura adotar um sistema puramente distrital que lhe permita superar a oposição. Levando em conta que nas eleições de 2018, Morena e seus aliados ganharam 218 dos 300 distritos, ou quase três quartos, sob as novas regras que agora impulsionam, teriam obtido 73% dos assentos na câmara baixa com apenas 46% dos votos. A título de comparação, em 1979 o PRI hegemônico ganhou 74% dos assentos da câmara baixa.

Mas há muito ar quente por toda parte. Vejamos agora o caso canadense e seu atual primeiro-ministro liberal Justin Trudeau, que em 2015 prometeu, em sua campanha, uma reforma eleitoral para introduzir os deputados “de partido”. Naquele ano, contra todas as probabilidades, Trudeau ganhou uma maioria absoluta, desbancando de forma humilhante o Partido Conservador de Stephen Harper. E adivinhe o que aconteceu com sua promessa. Sim, acertou: ele se esqueceu dela. Sob as regras de representação proporcional, o Partido Liberal de Trudeau teria ganho apenas 40% das cadeiras, enquanto o princípio da maioria lhe outorgou 54%.

Quanto mais cortesia, maior o cuidado

As mudanças nos sistemas eleitorais são apresentadas aos cidadãos como uma forma de fazer justiça e de fortalecer a democracia. A verdade é que, pela lei de Duverger, os sistemas de representação proporcional e de maioria tem seus prós e contras. O truque é que os políticos que procuram mudar as regras, de uma forma ou de outra, geralmente a fazem para seu próprio benefício (ninguém atira no próprio pé). Como cidadãos, temos que ir com cuidado. Certamente uma mudança no sistema eleitoral pode aprofundar a democracia, mas somente se as reformas vierem dos partidos como um todo e não do governo.

Hoje, a eliminação dos deputados “de partido” no México abriria a porta para um monopartidarismo para o deleite de Morena e o descontentamento do resto. No caso do Canadá, adotar um sistema de representação proporcional levaria a um cenário semelhante ao espanhol, onde a extrema esquerda e os independentistas detêm a chave da governabilidade, enquanto a extrema direita ganha terreno. E digo hoje porque estes cenários podem mudar. Sem os deputados “de partido”, o México poderia cair em um bipartidarismo sufocante, como existe hoje nos Estados Unidos. E o Canadá poderia cair na tragicomédia italiana onde os governos duram meses e às vezes dias.

O importante aqui é perceber que o lado negativo não está nos sistemas eleitorais, pois cada um tem suas vantagens e desvantagens. O que é negativo tende a estar nas razões para tentar mudá-las. E aqui devemos ser muito cuidadosos.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

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