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Por que o candidato da extrema direita ganhou entre os pobres do Chile?

Kast destaca mais que Boric a luta contra o crime, a mão dura contra a imigração irregular e a imposição da ordem para alcançar a pacificação social

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Ignacio Arana

Doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh, é especialista em comportamento presidencial e no estudo comparativo das instituições políticas latino-americanas

As recentes eleições presidenciais no Chile sugerem uma desconexão do principal candidato de esquerda com a classe baixa, na qual o candidato de extrema direita goza de uma forte popularidade.

Em 19 de dezembro, Gabriel Boric, candidato pela coalizão de esquerda Apruebo Dignidad, que obteve quase 26% de apoio no primeiro turno, enfrentará José Antonio Kast, candidato pelo conservador Frente Social Cristiano, que recebeu cerca de 28% dos votos.

Como é possível que um pinochetista que apoia uma ditadura que foi tão econômica e humanitariamente repressiva para a classe baixa seja mais popular do que um candidato surgido do protesto social com o desejo de representar demandas por maior justiça social e que fez o possível para encarnar os supostos anseios da revolta em massa que começou em outubro de 2019?

Uma opção seria culpar os eleitores. Em uma certa sociologia marxista, a "falsa consciência" ocorre quando os oprimidos são incapazes de reconhecer a exploração que sofrem em uma sociedade capitalista.

Sua naturalização das classes sociais, induzida pelo controle do discurso público por parte da burguesia, os impede de defender seus verdadeiros interesses. Então, eles não saberiam distinguir com clareza qual candidato melhor os representa.

Outro ponto de vista, menos condescendente, seria ver o que preocupa os grupos socioeconômicos mais baixos. Quando a informação disponível é revista, o aparente mistério desaparece.

José Antonio Kast, candidato da extrema direita à Presidência do Chile, tira fotos com simpatizantes durante campanha nos arredores de Santiago
José Antonio Kast, candidato da extrema direita à Presidência do Chile, tira fotos com simpatizantes durante campanha nos arredores de Santiago - Ivan Alvarado - 21.nov.2021/Reuters

Os dados

Quando se antecipa um segundo turno eleitoral, tal como era quase unanimemente esperado no Chil, e existem candidatos que apelam para distintas clivagens, os eleitores tendem a votar sinceramente.

Por outro lado, no segundo turno o voto é mais estratégico: ainda que não goste muito de um projeto, apoia-se o menos pior.

Considerando isso, revisei as preferências (sinceras) nas 20 comunas mais pobres do Chile, que estão situadas em 6 das 16 regiões do país e estão no norte, centro e sul.

O resultado foi que Kast foi mais votado que Boric em todas as comunas, recebendo um apoio médio de 37,5%, enquanto Boric recebeu uma média de 13,3%. Em alguns casos, a diferença foi esmagadora: Kast recebeu 24 vezes mais votos em Colchane, na região de Tarapacá.

Embora as preferências não possam ser extrapoladas para o resto do país, já que as comunas não são nem demograficamente nem geograficamente representativas, a tendência é clara. Também se soma à pesquisa publicada pela consultoria Activa no início de novembro.

Nela, Kast liderava as intenções de voto nos grupos socioeconômicos "D" (classe baixa, o grupo mais numeroso, com cerca de 37% da população) e "E" (pobre, 13% da população e o terceiro maior grupo). Cerca de 21,3% dos entrevistados disseram que votariam em Kast, enquanto apenas 13% votariam em Boric.

A pesquisa da Activa destaca que os temas de maior importância, da classe média abastada ("C1") aos pobres ("E"), são, em ordem decrescente, o crime, as pensões e a saúde. A esses seguem em todos os grupos socioeconômicos, com algumas diferenças em ordem, corrupção, inflação, desigualdade de renda e imigração.

Esses resultados são semelhantes aos da última pesquisa do Centro de Estudos Públicos, publicada em setembro, que mostra que as principais preocupações dos chilenos são, em ordem decrescente, o crime, as pensões, a saúde e a educação.

De maneira similar, uma pesquisa realizada pela consultoria internacional Ipsos mostrou que 74% dos chilenos acreditam que o país está no caminho errado. Os temas que mais preocupam são o crime e a violência (41% das preferências), seguidos por pobreza e desigualdade (37%). Dos 27 países estudados, o Chile é onde o controle imigratório mais preocupa (32% dos entrevistados).

Quando a Primeira Medida do Bem-estar Social no Chile, publicada em outubro pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Família, é revisada, constata-se que, em muitos indicadores, as preocupações não são muito diferentes em temas como o temor de ser vítima de assédio na rua ou delitos, presenciar delitos (drogas, tiroteios, roubos, etc.), sintomas de ansiedade e depressão, e enfrentar problemas ambientais.

Em conjunto, essas pesquisas revelam que, apesar de o Chile ser o país com a maior desigualdade de renda entre os 38 da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, existe uma grande sobreposição nas principais preocupações dos chilenos.

É aqui que os projetos dos candidatos se tornam relevantes.

Usando máscara facial, o candidato esquerdista à Presidência, Gabriel Boric, acena para apoiadores em Santiago do Chile; ao seu lado, uma menina, também de máscara, acena igualmente
O candidato esquerdista à Presidência, Gabriel Boric, acena para apoiadores em Santiago do Chile - Pablo Vera - 26.nov.2021/AFP

Mensagens diferentes

O programa de Boric se concentra em quatro reformas: acesso universal garantido à saúde, pensões dignas sem o sistema atual manejado por administradoras privadas, um sistema educacional público, gratuito e de qualidade, e a formação de um governo ecologista.

Ou seja, nos três primeiros pontos ele aborda preocupações relevantes a todos os grupos socioeconômicos, embora nem em seu programa nem em seu discurso ele aborde o mais importante, o crime.

Ele também tem demonstrado confusões e fraquezas em seu projeto econômico, um tema que normalmente evita. De fato, ele é visto mais à vontade quando fala de feminismo ou do ambiente do que de inflação.

O programa de Kast, por outro lado, é uma monstruosidade à qual o próprio candidato virou as costas; sendo assim, é mais razoável olhar para o que ele disse.

Durante a campanha, destacou muito mais do que Boric a luta contra o crime, uma mão dura contra a imigração irregular, a importância do crescimento econômico e a imposição da ordem para alcançar a pacificação social.

Embora algumas de suas propostas sejam extremas (como cavar valas na fronteira norte) ou ridículas (desenvolver uma "coordenação internacional antirradical de esquerda"), ele aborda temas sensíveis a todos os grupos socioeconômicos, com ênfase principal no crime e na ordem para alcançar o progresso.

Não existe incompatibilidade ideológica entre ser de esquerda e enfrentar as causas e consequências do crime, racionalizar a imigração, promover o crescimento econômico e garantir a paz social necessária em qualquer democracia.

Essas propostas podem andar de mãos dadas com as reformas necessárias em pensões, saúde, educação, ambiente e desigualdade de gênero. Mas, por razões complexas, parte da esquerda chilena não se sente à vontade para abordar esses temas.

A candidatura de Boric estará disposta a abordar de uma perspectiva progressiva as bandeiras que hoje têm Kast como o candidato mais forte? Talvez, embora já possa ser tarde demais para evitar o triunfo do candidato reacionário.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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