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Evo Morales, entre adversários renovadores e inimigos de direita

O antagonismo é um elemento substancial da natureza política do ex-presidente da Bolívia

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José Orlando Peralta Beltrán

Cientista político e membro do Centro de Investigação Política da Faculdade de Direito da Universidade Autônoma Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)

Até 2019, Evo Morales só tinha inimigos à direita do espectro ideológico, os que combateu nas ruas e nas urnas, e a quem não reconhece legitimidade.

Entretanto, desde 2019, surgiram adversários de sua própria base (MAS), adversários reconhecidos sim como legítimos por serem autoridades eleitas, como é o caso do vice-presidente, David Choquehuanca.

A causa raiz desse cenário é seu interesse por voltar a se candidatar à Presidência da Bolívia em 2025.

Por isso, Evo está constantemente lidando com adversários internos, ou renovadores, e externos, ou inimigos da direita, tendo o narcotráfico como pano de fundo em sua agenda discursiva.

Adversários internos: os renovadores

Durante muitos anos, Evo e Choquehuanca compartilharam um espaço simbólico comum constituído entre o partido político (MAS), o Estado e as organizações sociais.

Entretanto, segundo relatos não oficiais, os atritos entre as duas lideranças têm sido mais evidentes –para a opinião pública– desde que Morales retornou à Bolívia em novembro de 2020, logo depois que o MAS ganhou novamente as eleições gerais, com Luis Arce.

Com as palmas das mãos abertas, o presidente da Bolívia, Luis Arce, e o ex-presidente Evo Morales aguardam a chegada do Ano Novo Andino Amazônico em Tiahuanaco
O presidente da Bolívia, Luis Arce (esq.), e o ex-presidente Evo Morales aguardam a chegada do Ano Novo Andino Amazônico em Tiahuanaco - Mateo Romay - 21.jun.2022/Xinhua

Choquehuanca tem apoio em diversos lugares da Bolívia, como La Paz (um reduto natural), El Alto, norte de Potosí e em várias regiões de Santa Cruz, Beni e Pando. Enquanto isso, Evo continua a ter controle total sobre sua base social histórica: o Chapare (Cochababamba).

O impulso que Choquehuanca outorga às escolas de líderes em diferentes lugares do país, sob a égide do discurso da renovação, é o que incomoda Evo e sua facção no MAS.

Nas palavras do vice-presidente, "o mundo tem que se renovar. Há uma desordem global. Há incerteza, há caos. Necessitamos de mudanças, de uma revolução de ideias. E quem devem ser os protagonistas? Os jovens, são eles que têm que despertar sua criatividade e não esperar que as pessoas mais velhas lhes digam o que têm que fazer".

Para Evo, por outro lado, os renovadores são a nova "degeneração que trabalha para um novo projeto político".

Diante dessas diferenças, nos últimos meses houve discussões, empurrões e insultos entre seguidores de ambos os líderes, como o que aconteceu em Santa Cruz de la Sierra em junho, o que dá a sensação de estar no meio de uma campanha eleitoral.

Apesar dos atritos entre as organizações que respaldam o vice-presidente e o ex-presidente e das acusações nas redes sociais e na mídia, em uma recente reunião entre os dois líderes, mais o presidente Arce, ministros de Estado e representantes de organizações sociais, eles tiraram uma foto juntos para demonstrar seu "compromisso com a unidade".

Inimigos externos: a direita

O antagonismo é um elemento substancial da natureza política de Evo Morales.

Depois do que aconteceu em 2019 –quando irregularidades foram cometidas no Tribunal Eleitoral para evitar um segundo turno com Carlos Mesa, e Evo renunciou à Presidência e fugiu para o México, tendo Jeanine Áñez assumido constitucionalmente a Presidência de forma transitória–, o ex-presidente chegou a um paroxismo discursivo contra tudo o que se move a sua direita.

Ele sonha, come e joga futebol com a premissa de que o que aconteceu com ele há três anos foi um golpe de Estado engendrado por seus inimigos históricos.

Essa obsessão, alimentada permanentemente com seus discursos contra os opositores político-partidários, sociais e cívicos, influencia o poder judicial a ponto de utilizá-lo para aprisionar, sob a justificativa do golpe, os inimigos de direita.

Com máscara de proteção contra a Covid, a ex-presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, está atrás das grades em uma prisão de La Paz
A ex-presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, detida em prisão de La Paz - David Mercado - 13.mar.2021/Reuters

A privação de liberdade de Áñez é um exemplo de como é possível a domesticação de um poder contramajoritário (judicial) para manter vigente o antagonismo amigo-inimigo que se traduz em uma polarização política intermitente que mina as bases institucionais da democracia representativa.

Com a sentença da ex-presidente a dez anos de prisão por incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição, a tese do golpe de Estado foi reforçada política e ideologicamente.

De fato, seus oponentes Mesa e Jorge "Tuto" Quiroga foram chamados de "golpistas confessados".

No caso de Luis Fernando Camacho, apesar das bases sociais do MAS pedirem seu encarceramento, ainda não se iniciou um processo contra ele pelo suposto golpe.

O narcotráfico como pano de fundo na política boliviana

No contexto de um campeonato de futebol internacional, a "Copa Evo", a ser realizada no Chapare em agosto, representantes parlamentares da organização política Comunidad Ciudadana (CC), liderada por Mesa, se opuseram ao evento.

Dessa forma, o objetivo é desencorajar os clubes convidados de participar, por considerar que Evo está desempenhando o mesmo papel que o colombiano Pablo Escobar, nos anos 1980, em uma série de irregularidades vinculadas ao narcotráfico.

Em perspectiva histórica, o narcotráfico e a política partidária (MIR, ADN, MNR) tiveram um entrelaçamento subterrâneo que deixou marcas perenes na sociedade boliviana. Um pano de fundo com o qual praticamente nos acostumamos a viver.

2019 inesquecível, 2025 inescrutável

A briga verbal entre Evo e seus adversários renovadores, por um lado, e seus inimigos à direita, por outro, está quase normalizada na conjuntura política atual.

Com os primeiros, as fricções são motivadas pelo controle hegemônico do partido (MAS), frente a 2025. Com os segundos, sua inimizade é de origem histórico-ideológica e tem sido agravada desde 2019.

Somente o destino sabe o que acontecerá em 2025 com Evo e seus adversários conjunturais.

A única certeza é que os acontecimentos de 2019 serão novamente explorados por Evo para se vitimizar diante de suas bases sociais com a narrativa de que foi expulso por uma manobra golpista.

Tradução de Giulia Gaspar

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