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Bolívia condena ex-presidente Jeanine Añez a 10 anos de prisão por tramar golpe

Política foi acusada de conspirar contra o antecessor Evo Morales, que renunciou após pressão institucional e popular

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La Paz | Reuters

A Justiça da Bolívia considerou a ex-presidente interina Jeanine Áñez, 54, culpada por ter organizado um golpe de Estado no país em 2019 contra o então líder Evo Morales. Ela foi condenada a 10 anos de prisão, segundo anunciado na noite desta sexta-feira (10).

Áñez está presa em La Paz há 15 meses e era julgada ao lado de ex-chefes militares desde fevereiro por violar a Constituição boliviana. A Justiça acusava a ex-senadora de ter assumido a Presidência de forma inconstitucional após a renúncia de Evo, que se deu em meio a protestos maciços contra manobras feitas pelo esquerdista para tentar um quarto mandato.

A ex-presidente interina Jeanine Anez em La Paz - Aizar Raldes - 15.mar.22/AFP

Ela ainda responde a outros dois processos, um por genocídio e outro por sedição e terrorismo. No caso decidido agora, os promotores haviam solicitado que a ex-presidente fosse condenada a 15 anos de detenção —pena máxima para a somatória dos crimes pelos quais ela foi acusada. Áñez voltou a se declarar inocente no último dia de julgamento, alegando ser uma presa política.

A defesa diz que é ilegal que suas ações sejam julgadas de forma separada, mas anunciou que vai apelar a órgãos internacionais em relação ao julgamento desta sexta. Vários setores da oposição ao atual governo de Luis Arce, do MAS (Movimento ao Socialismo), mesma sigla de Evo, planejaram marchas para protestar contra a decisão.

Ela foi impedida de comparecer ao tribunal presencialmente, tendo de participar do julgamento de forma virtual. Em uma rede social, mais cedo, criticou a medida. "Eles me negaram tudo e me trataram pior do que todos; mas eu fui, sou e serei a presidente constitucional que assumiu seu dever após a fuga do covarde", escreveu Áñez, referindo-se ao esquerdista.

A forma como o julgamento da ex-presidente interina foi conduzido, porém, despertou críticas de organizações internacionais, entre elas a Human Rights Watch. A ONG argumenta que o caso exemplificou como a interferência política está entranhada no sistema de Justiça do país.

Após o anúncio da condenação, o pesquisador-sênior da organização para a América Latina César Muñoz teceu críticas ao processo em uma rede social. "Tanto Evo Morales quanto Jeanine Áñez apresentaram acusações infundadas contra oponentes políticos", escreveu.

A HRW pede que tribunais superiores examinem o caso de forma independente e, caso concluam que houve violações dos direitos da política, garantam recursos adequados. Diz, ainda, que estudou as acusações de terrorismo e conspiração que justificaram sua prisão, mas afirma não ter encontrado evidências que a embasassem à época.

Evo presidia a Bolívia desde 2006 e disputou um quarto mandato em 2019. Acusações de fraude na eleição e a pressão das Forças Armadas e de movimentos populares, cujos protestos deixaram mortos e feridos pelo país, no entanto, forçaram sua renúncia em novembro daquele ano. Com a tensão crescente, ele chegou a deixar o país com destino ao México, que lhe concedeu asilo político, e só voltou em 2020, após a eleição do aliado Arce.

Dois dias depois de ele renunciar, Añez chegou ao poder em uma controversa manobra legislativa, aproveitando-se de uma brecha na legislação boliviana, uma vez que todos os que estavam na linha de sucessão direta renunciaram após a saída do ex-presidente.

Sem ter reunido quórum no Legislativo, ela justificou que assumiria a Presidência de acordo com o que estabelecia o regimento do Senado sobre a sucessão: segundo as regras, ante a renúncia do presidente e do primeiro vice-presidente do Senado, o regimento permitia que ela, então segunda vice-presidente, assumisse o comando.

"Não mexi um dedo para assumir, fiz o que tinha que fazer, por obrigação de acordo com o que dizia a Constituição", disse ela em sua defesa nesta sexta. "E faria novamente, se tivesse a oportunidade."

Cristã e conservadora, Áñez introduziu símbolos religiosos no Estado laico do país e iniciou uma campanha contra os correligionários esquerdistas de Evo, que durante seus 14 anos no cargo enfatizou a importância da cultura indígena. Ela inicialmente participaria do pleito que alçou Arce à Presidência, em 2020, mas acabou desistindo da candidatura.

Em agosto passado, a Procuradoria-Geral do país apresentou também uma acusação contra ela por genocídio e outros crimes, devido à morte de cerca de 20 manifestantes contrários ao seu governo. Na ocasião, ela chegou a ferir a si mesma na cadeia, com ao menos três cortes no pulso. Segundo familiares, ela tentou se suicidar e passava por uma forte depressão decorrente de sua prisão.

De acordo com o procurador, a acusação tem origem na denúncia de familiares das vítimas da repressão de dois atos em novembro de 2019, nas cidades de Sacaba e El Alto, quando morreram 22 pessoas, do total de 37 mortes registradas após a renúncia de Evo, segundo uma investigação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

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