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A reconstrução da política externa brasileira e das relações com a América Latina

Abandono da Unasul e da Celac por parte do governo Bolsonaro significou um retrocesso para o Brasil

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Marcelo Viana Estevão de Moraes

Doutor em ciências sociais pela PUC-Rio e pesquisador do Centro de Altos Estudos de Governo e Administração (Ceag/UnB)

Hoje, além do conflito por procuração em curso entre a Otan e a Rússia no território ucraniano, o cenário mais amplo aponta para tensões crescentes entre os EUA e a China na disputa por hegemonia global.

Essa tendência traz desafios para o Brasil, que se encontra no hemisfério americano, sob a influência geopolítica direta do "hegemon", mas cuja economia depende cada vez mais das relações comerciais com a China. Um quadro de riscos e de oportunidades a demandar perspicácia e destreza na condução da política externa para a defesa do interesse nacional.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, declarou em conferência na Universidade George Washington que a China representa o mais sério desafio de longo prazo à ordem internacional: seria o país que não apenas pretende reformar essa ordem como detém também os recursos de poder para tanto.

A própria guerra na Ucrânia talvez não ocorresse se a Rússia não estivesse fortalecida em razão da parceria estratégica firmada com a China e que funciona como um vetor fundamental para a integração econômica e logística eurasiática, com destaque para a BRI (Belt and Road Initiative).

Nesse cenário, o desafio para o Brasil é retomar o fio condutor de sua política externa ativa e altiva, evitando alinhamentos geopolíticos automáticos com potências ou blocos, tendo por base uma agenda ecumênica de paz e desenvolvimento na perspectiva do Sul Global, privilegiando a interlocução com a América do Sul e a América Latina para a consecução de uma estratégia coletiva regional, por meio do resgate da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e do adensamento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, durante entrevista em Brasília; ele usa óculos e está sentado com o microfone à sua frente, vestindo terno preto, camisa branca e gravata vermelha, tendo ao seu lado direito um copo de água e na parede às suas costas a bandeira do Brasil
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, durante entrevista em Brasília - Pedro Ladeira - 25.jan.2022/Folhapress

Priorizar a América Latina e, especialmente, a América do Sul

O Brasil, por suas dimensões econômicas, territoriais e populacionais, parafraseando Paulo Nogueira Batista Júnior, não cabe no quintal de ninguém, mas qualquer estratégia deve considerar que isoladamente o país tem baixa margem de manobra, dado que seus recursos de poder são relativamente escassos.

Uma estratégia coletiva sul-americana e latino-americana amplia o poder de barganha e negociação.

O grande jogo geopolítico brasileiro desdobra a projeção sobre seu entorno em círculos concêntricos de influência.

O primeiro círculo e o mais importante é a região platina, zona de maior densidade econômica e populacional da América do Sul.

O segundo círculo incorpora os demais países do subcontinente, em especial o bioma amazônico, e o Atlântico Sul, por onde transita quase todo o comércio exterior brasileiro.

O terceiro círculo congrega toda a América Latina e o Caribe, bem como a Antártida e a costa ocidental da África.

Os três círculos conformam o entorno geoestratégico do Brasil, região em que sua presença ativa é vital para seu desenvolvimento e sua segurança, e que deve servir de plataforma de projeção para o mundo.

No início deste século, entre outras iniciativas, o Brasil liderou a criação da Unasul e da Celac.

A Unasul foi uma organização internacional criada pelos 12 Estados sul-americanos em 2008 com o objetivo de, entre outros, articular as ações dos diversos países nos vários campos das políticas públicas, devendo funcionar como instrumento denso de governança desse espaço regional bioceânico.

Fachada do prédio da Unasul, em Quito (Equador); a palavra Unasul aparece escrita na parede externa e há na entrada a estátua de uma pessoa com o braço esquerdo estendido na direção do céu
Fachada do prédio da Unasul, em Quito (Equador) - Johis Alarcón - 1º.ago.2018/Folhapress

A Celac, criada posteriormente, em 2010, também foi impulsionada pelo Brasil com a realização em Salvador, em 2008, da primeira cúpula autônoma dos países latino-americanos e caribenhos, sem a tutela de anglo-saxões e ibéricos. Sua vocação é a concertação política e a cooperação para o desenvolvimento.

O abandono da Unasul e da Celac por parte do governo Bolsonaro significou um retrocesso da política externa brasileira.

A Unasul e a Celac foram atingidas por uma campanha psicológica adversa acerca de uma suposta União das Repúblicas Socialistas da América Latina (Ursal) –uma enorme bobagem que viralizou com fake news.

Esse retrocesso não foi um fato isolado.

Houve a subordinação da política externa a um americanismo ideológico radical de extrema direita –o trumpismo– que compromete o diálogo com o atual governo estadunidense, e a avacalhação do Itamaraty, órgão que sempre funcionou como referência de excelência burocrática para a administração civil brasileira.

O Brasil é indispensável para o êxito da integração por ser multivetor no espaço regional: o projeto regional se articula com o objetivo nacional brasileiro de consolidar sua integração territorial interna; viabiliza potenciais sinergias entre os sistemas nacionais em todas as esferas (produtiva, comercial, logística etc.) associando o acesso ao Pacífico, por meio de corredores interoceânicos, à marcha para o oeste brasileira; favorece a instituição de uma doutrina estratégico-militar regional que avançava no Conselho de Defesa Sul-Americano, fundamental para o controle do entorno oceânico vital da grande "jangada de pedra" sul-americana, a segurança da extensa fronteira terrestre brasileira e a cooperação em torno do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

No entanto, a eventual recondução do atual mandatário manterá o país como pária, no ponto mais baixo de sua reputação internacional, como um problema para o mundo e não como portador de soluções.

Só uma liderança respeitada internacionalmente e testada na arte da política e da administração poderá fazer a diferença desejada e aproveitar a conjuntura regional favorável à retomada dos projetos de integração.

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