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Irene Vida Gala e Mathias Alencastro

África já

Podemos ser decisivos no destino do continente

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Irene Vida Gala

Embaixadora, é autora de “Política Externa como Ação Afirmativa” (ed. UFABC)

Mathias Alencastro

Pesquisador do Cebrap e professor de relações internacionais (UFABC), é autor de “Brazil-Africa Relations in the 21st Century” (Springer) e colunista da Folha

Para pensar o Brasil de hoje e do futuro precisamos começar por conceber seu lugar no mundo. Isso passa inevitavelmente por uma reflexão atualizada sobre a política brasileira para o continente africano e seus rumos.

Nas últimas duas décadas, a Europa cedeu o lugar de líder em investimento estrangeiro direto na África para a Ásia, cuja participação passou de 5% em 2003 para 28% em 2018. Não se trata de uma mera transferência de dependência do Ocidente para o Oriente, como alguns tentam caricaturar, mas de um fenômeno mais amplo de diversificação competitiva dos investidores, com impacto no emprego, na produtividade e nos salários.

Mural em Nairobi, no Quênia, retrata o M-Pesa, serviço digital que permite que milhões de pessoas paguem suas contas, cobrem seus salários e realizem pequenas transações em mercados locais através de celulares - Thomas Mukoya - 19.abr.20/Reuters

Ao longo desse processo, o polo do dinamismo econômico deslocou-se para a África oriental, onde a experiência de industrialização da Etiópia, o surgimento de Ruanda como potência regional e a descoberta de reservas de gás natural em Moçambique estão reconfigurando a geopolítica do continente. Mas, na parte ocidental, a Nigéria sofistica sua base industrial com o refino do petróleo e a construção de gasodutos orientados para a Europa, via Argélia, enquanto o Senegal vai substituindo a importação de arroz por produção local. Na parte austral do continente, a Zâmbia negocia condições inéditas para sua dívida externa, e suas reservas minerais não cessam de impressionar pelos números. Tudo isso acontece num momento em que o continente africano inicia uma nova transição demográfica: os seus 1,3 bilhão de habitantes deverão ser 2,5 bilhões em 2050.

A diplomacia brasileira deve abordar os desafios e as transições do continente africano como uma oportunidade para a sua própria reinvenção. Dentre as possíveis ações da diplomacia estão o fortalecimento da rede de embaixadas, como em Kigali, em Ruanda, além da promoção da economia do conhecimento brasileiro em cidades como Nairobi, no Quênia, o centro da indústria tecnológica africana. Iniciativas de vanguarda, como a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, devem ser alargadas e estendidas na própria África lusófona, assim como o adensamento dos vínculos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) nas áreas de ciências exatas e biológicas.

Todas essas iniciativas teriam de ser incluídas dentro do grande tema do Brasil como potência ambiental tropical. É nessa condição que o país teria legitimidade para integrar-se a atividades como a proteção das grandes florestas do Congo, a luta contra a desertificação do Sahel e as secas na África austral —alguns dos temas climáticos mais prementes do continente e, claro, o inventário da biodiversidade em áreas tropicais. Da mesma forma, é nessa condição que se impõe uma agenda comum em torno da economia azul, das energias limpas e da agricultura de baixo carbono.

Nunca foi tão fácil defender a pertinência de uma política africana robusta, coerente e ancorada nas instituições públicas. Com mais de 50% de negros, o Brasil é a melhor ilustração de que a negritude é uma realidade do Sul global, não apenas do continente africano. Se o Brasil precisa da África para aprofundar o seu projeto de nação, ele também pode, por meio de sua diplomacia africana, revelar-se ator central do Sul global. A África foi, mas segue sendo —e agora ainda mais—, imprescindível à construção e transformação do Brasil.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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