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O lawfare existe e não é patrimônio de nenhuma ideologia

Termo é adotado por autoridades como Kirchner para definir os processos judiciais que os encurralam

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Diego M. Raus

Diretor da licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús (Argentina) e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires

O lawfare não é um fantasma, mas um conceito translúcido que atravessa a América Latina. Trata-se de uma ideia que tem sido incorporada pela esquerda à política latino-americana nos últimos anos. E, segundo o Wikipedia, se define como "perseguição judicial, instrumentalização da Justiça, judicialização da política, guerra jurídica ou guerra judicial (em inglês, lawfare). É uma expressão usada para se referir à utilização abusiva ou ilegal das instâncias judiciais nacionais e internacionais, mantendo uma aparência de legalidade, para desqualificar ou provocar o repúdio popular contra um oponente".

Parece, segundo documentos, que o conceito e sua instrumentalização política foram desenhados por um militar norte-americano no contexto de críticas aos Estados Unidos em relação às violações de direitos humanos em suas intervenções militares em países estrangeiros.

O certo é que o conceito político foi contundentemente incorporado à política latino-americana há alguns poucos anos a partir dos juízos políticos ou jurídicos de Rafael Correa, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva em seus respectivos países. Na atualidade, o termo está sendo incorporado por Cristina Kirchner e pelo oficialismo argentino para definir os processos judiciais que encurralam a vice-presidente.

A vice-presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner cumprimenta apoiadores reunidos do lado de fora do Congresso Nacional após discurso nas redes sociais em que se defendeu de acusações de corrupção, em Buenos Aires, Argentina - Agustin Marcarian/Reuters

A incorporação do termo por setores da esquerda tem sido utilizada para apontar certos processos judiciais como formas políticas da direita para perseguir e proscrever líderes, o que não está sendo julgado nessas linhas. Mas devido a sua origem, o termo ficou marcado no imaginário da política latino-americana como um conceito utilizado pela esquerda para se referir a um instrumento da direita.

Esta incorporação vibrante do conceito na política latino-americana merece levar em conta duas questões. Por um lado, a subjetividade política do termo, dado que foi incorporado do discurso de "esquerda" como arma proveniente da "direita" para perseguir lideranças políticas, implica que, em última instância, o conceito de lawfare foi interpretado em uma única direção. De fato, embora Donald Trump o tenha utilizado para desacreditar as provas contra ele, a "direita" latino-americana não o incorporou em seu léxico político, assumindo que é só uma falácia da "esquerda".

Por outro lado, dada a possível intencionalidade política na utilização do termo lawfare, – basta mencioná-lo para desacreditar absolutamente qualquer ação judicial sobre política – torna-se muito difícil definir qual ação judicial tem bases jurídicas sólidas e qual é simplesmente utilizada como arma política. Mas a anulação da sentença do ex-presidente Lula no caso liderado pelo ex-juiz Moro no âmbito do caso Lava Jato, precisamente por aplicação de lawfare, confirma sua existência e justifica sua incorporação.

Se revisarmos o mapa político latino-americano, mesmo antes do conceito de lawfare se popularizar, há uma longa lista de ex-presidentes considerados de direita que foram acusados judicialmente e afastados da arena política.

Carlos Salinas de Gortari, ex-presidente do México, foi processado por delitos de corrupção junto ao seu irmão durante seu sexênio (1988-1994). Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil, sofreu um juízo político por corrupção (impeachment) que o retirou cedo da presidência em 1992.

Carlos Saul Menem, duas vezes presidente da Argentina (1989-1995 e 1995-1994), foi processado posteriormente, acusado de vários delitos de corrupção e preso durante um breve período. Mais tarde se candidatou a senador (foi eleito) para se beneficiar de privilégios políticos e ficar isento de novas penas judiciais.

Alberto Fujimori, três vezes eleito presidente do Peru e que fugiu do país quando vários processos judiciais foram abertos contra ele, está atualmente preso em seu país. Gonzalo Sánchez de Losada, duas vezes presidente da Bolívia (1993-1997 e 2002-2003), foi posteriormente julgado e condenado em sua ausência dada sua estadia permanente nos EUA, enquanto Abdalá Bucaram, presidente do Equador, foi destituído do cargo em 1997.

A lista segue e se estende a grande parte dos países da região. E embora na maioria dos casos pareça não haver dúvidas quanto à fundamentação das acusações que levaram esses ex-presidentes a julgamento diante de flagrantes de corrupção, incorporando o termo lawfare na política regional, surge a pergunta: algumas dessas acusações foram perseguições judiciais? Se o termo já tivesse sido instaurado na política regional, teria sido utilizado pelo acusado e sua estrutura política?

O lawfare, além das enormes dificuldades para confirmá-lo, existe e não é patrimônio de nenhuma ideologia. Entretanto, na atualidade, sua utilização unidirecional põe em questão sua real natureza, seu fundamento jurídico e, portanto, sua legitimidade política.

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