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Ucrânia divide a América Latina e a União Europeia e dificulta uma parceria estratégica

Para a América Latina, é uma questão de escolha como se posicionar sobre a guerra; para a Europa, é necessidade

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O presidente Lula recebe o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 30.jan.2023/Folhapress
Detlef Nolte

Cientista político e pesquisador associado do German Institute for Global and Area Studies (Giga) e do German Council on Foreign Relations (DGAP). Foi diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e vice-presidente do Instituto de Estudos Globais e de Área do Giga.

América Latina e União Europeia querem aprofundar de novo suas relações. Em julho, será celebrada em Bruxelas uma cúpula UE-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), a primeira desde 2015, e está previsto que se concluam os acordos pendentes, como o da UE com o Mercosul. Neste contexto, políticos europeus, como o chanceler alemão Olaf Scholz, viajaram recentemente para a América Latina para explorar como aprofundar as relações bir-regionais.

Não há dúvida de que o valor estratégico da América Latina e do Caribe aumentou para a União Europeia desde a invasão russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022. Politicamente, os governos da região são importantes na hora de votar resoluções sobre a Rússia na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Economicamente, a América Latina tem matérias-primas como gás natural e petróleo que a Rússia fornece à UE, e matérias-primas estrategicamente importantes já são importadas da América Latina, como o lítio. Devido a suas condições climáticas e geográficas, considera-se que a América Latina tem um grande potencial para produzir e exportar hidrogênio verde a preços competitivos entre as diferentes regiões do mundo. E a Europa será, no futuro, um dos maiores mercados para o hidrogênio verde.

Na primeira Cúpula América Latina-Europa, celebrada no Rio de Janeiro em 1999, foi anunciado o objetivo de desenvolver uma "parceria estratégica". Desde então, o termo tem aparecido uma ou outra vez em declarações oficiais e, mais recentemente, o alto representante da UE para assuntos exteriores e política de segurança, Josep Borrell, chegou a falar de uma "aliança estratégica" em relação ao acordo pendente de associação UE-Mercosul.

Há coincidências políticas e econômicas, mas a pergunta é: há interesses comuns suficientes para uma parceria estratégica? As reuniões preparatórias da cúpula UE-Celac e, mais recentemente, as conversas do chanceler Scholz na Argentina e no Brasil mostraram que há um elefante, ou devo dizer, um urso na sala que a América Latina gostaria de ignorar ou, pelo menos, evitar mencionar.

A guerra na Ucrânia divide a UE e a América Latina. O que de uma perspectiva latino-americana parece uma questão de escolha – como se posicionar no conflito da Ucrânia com a Rússia –, para a Europa é uma questão de necessidade, ou seja, defender-se de uma ameaça militar genuína e de um ataque aos valores europeus fundamentais.

É sintomático que o comunicado de imprensa conjunto da 3ª Reunião de Ministros das Relações Exteriores Celac-UE, no final de outubro de 2022 em Buenos Aires, evitou citar e condenar a Rússia, como esperavam os governos europeus. Pelo menos os governos participantes puderam reafirmar seu apoio aos objetivos e princípios consagrados na Carta da ONU de defender a igualdade soberana de todos os Estados e respeitar sua integridade territorial e independência política. No contexto desta afirmação, o comportamento dos países latino-americanos é ainda menos compreensível.

Ademais, do ponto de vista europeu, é estranho que uma região que sempre denunciou o imperialismo que emana dos Estados Unidos, e com razão, evite hoje condenar como imperialismo uma guerra para restaurar um império e subjugar e, se necessário, assimilar à força outros povos.

As declarações de alguns governos latino-americanos são recebidas com incompreensão na Europa, como a declaração de Lula sobre o conflito na Ucrânia de que "quando um não quer, dois não brigam", que é como culpar alguém por ter sido atingido na cabeça por uma pessoa que entrou à força em sua casa.

Com o pano de fundo das imagens que vemos diariamente na Europa de atrocidades bélicas, ataques a civis e refugiados chegando da Ucrânia, estas declarações parecem insensíveis, se não cínicas. E custaram a simpatia ao Lula na Europa, e colocam em dúvida que ele pode atuar como mediador no conflito.

E depois há os partidários a um não-alinhamento ativo. E aqui surge a questão de se uma política de não-alinhamento ativo não toma partido indiretamente ao pôr o agressor em pé de igualdade com a vítima. A questão é se, em uma guerra onde o agressor é claramente identificado e matam civis e cometem crimes de guerra, um governo também não é cúmplice ao não fazer nada.

Os governos latino-americanos deveriam se perguntar se o mundo seria melhor e se é do interesse da América Latina que a União Europeia saia debilitada e a Rússia (e indiretamente a China) se fortaleça com o conflito na Ucrânia. Isso significaria também uma derrota dos valores que os governos latino-americanos têm defendido até agora na política internacional, como o respeito à soberania, à não intervenção e à resolução pacífica de conflitos.

O não-alinhamento ativo só faz sentido se também se definir os valores que se defende na política internacional; e, a partir desses valores, decide-se quando tomar partido. Às vezes a velha canção de Pete Seeger, "De Que Lado Você Está?", também se aplica na política internacional, especialmente entre supostos parceiros estratégicos.

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