Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Inflação baixa reflete crescimento lento dos salários na base

Só uma parte da sociedade tem razões para comemorar a queda nos índices de preço

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“O governo trabalha para manter a inflação perto de zero”, tuitou o Palácio do Planalto ao divulgar um vídeo que celebra os mais recentes números do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), divulgados pelo IBGE na terça-feira (10). 

Os consumidores estariam aumentando seu poder de compra graças à queda no índice, que já está há nove meses consecutivos rodando abaixo de 3%.

Sabemos que não necessariamente é o caso, pois o poder de compra só aumenta para aqueles cujos salários cresceram mais rápido do que os preços dos bens e serviços que consomem. O problema é justamente que a inflação atual é o outro lado da moeda da falta de dinamismo no mercado formal de trabalho e do crescimento lento dos salários na base da pirâmide.

 

Para compreender o fenômeno, cabe lembrar que o crescimento mais acelerado da economia brasileira a partir de meados dos anos 2000 trouxe consigo uma forte geração de empregos formais e, consequentemente, um crescimento mais acelerado dos salários.

Embora o poder de compra tenha aumentado para todas as faixas de renda, quem mais se beneficiou daquele processo foram os trabalhadores de menor qualificação, empregados em setores que cresceram muito no período, como construção civil e serviços (e.g restaurantes, salões de beleza).

O efeito colateral desse tipo de processo foi a aceleração da inflação de serviços, que passou a rodar de forma persistente acima do índice para os demais preços. Afinal, setores de serviços não só são mais intensivos no uso da força de trabalho —e têm assim na mão de obra seu principal custo— como são mais capazes de repassar aumentos de custos para preços, pois não sofrem concorrência internacional.

Se os salários de garçons e cabeleireiros crescia mais rápido, por exemplo, restaurantes e salões de beleza também ficavam mais caros. A inflação maior para quem consumia os serviços era fruto da renda maior para os trabalhadores daqueles setores.

“Essa é uma inflação do bem, um ajuste de preços relativos fruto da distribuição de renda. Só que, se, para os muito desfavorecidos, esse processo só traz ganhos, os minimamente remediados podem ter a sensação de que a vida ficou mais difícil”, escreveu Marcelo Miterhof neste mesmo espaço em 30/10/2014.

Os números do IBGE recém-divulgados mostraram que a inflação de serviços foi de apenas 0,08% em março e de 3,94% nos últimos 12 meses —o menor resultado da série histórica.

Quando analisamos esses dados em conjunto com as informações de mercado de trabalho, fica claro que estamos diante, na verdade, do fim do processo de geração de empregos formais e redução das desigualdades salariais que acompanharam o crescimento da economia até 2014.

É verdade, portanto, que o governo “trabalha para manter a inflação perto de zero”. Faz isso porque não trabalha pela retomada do crescimento econômico com geração de empregos formais e redistribuição da renda.

Assim como em outros episódios recentes, só uma parte da sociedade tem razões para comemorar.

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