Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Qual é o problema de a escola de R$ 14 mil por mês ter palestra com líder do PSOL?

O que podemos aprender com o alvoroço causado pela participação, em um evento da Avenues, de uma pré-candidata a deputada de esquerda

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Foi um alvoroço nas redes sociais dos ricos. Tudo porque a líder indígena Sonia Guajajara, que é pré-candidata a deputada federal pelo PSOL, foi convidada a participar de um evento da Avenues São Paulo, a escola com origem norte-americana que ficou famosa pelo alto valor das mensalidades, agora em torno de R$ 14 mil.

O episódio se deu em 28 de março, mas, nos tribunais online, parece longe do fim a gritaria de pais e mães de escolas de elite. É tanto ódio nos comentários que, nesse julgamento, é difícil outro veredito que não o da pena de morte para a esperança na humanidade.

A líder indígena Sonia Guajajara, pré-candidata à deputada federal pelo PSOL
A líder indígena Sonia Guajajara, pré-candidata à deputada federal pelo PSOL - Adriano Machado/Reuters

Segue um resumo do que se passou: Um professor convidou Guajajara para uma palestra na Avenues. A líder indígena, ao defender a reforma agrária, foi criticada por um estudante, que disse: "Desculpe eu te falar isso. Isso é roubo de propriedade privada. Por favor, melhore". O professor perdeu a linha na reação à fala do aluno: "Quando você entender o que é ser uma pessoa desse tamanho, vai se lembrar desse dia com muita vergonha. Eu sou especialista por Harvard. Isso é ciência, não é discussão. No dia que você quiser discutir com a gente, traga seu diploma."

Até aí, o que temos além de um conflito no qual, conforme a nota da Avenues, um aluno discordou de modo desrespeitoso de uma convidada e o professor teve uma reação inapropriada? Seria uma oportunidade de aprendizado para todos, independentemente da opinião sobre a reforma agrária ou o PSOL. Só que não.

A cena foi gravada por outro aluno, caiu na rede e aí... fogo no parquinho, ou fire at the playground, que na Avenues se fala inglês. De pronto se exigiu a demissão do professor –por bem menos, pais e mães se mobilizam para pedir a cabeça de profissionais de escolas, como se essa fosse uma relação de consumo simplesmente.

O "cancelamento" do professor se deu menos pela forma como tratou o garoto e mais pelo convite à líder do PSOL para palestrar em uma escola de elite. Se até na Avenues "a doutrinação comunista" está assim, reclamam, imagine no resto. E seguem relatos e relatos de situações "perigosas" e troca de colégios para evitar a "infiltração marxista".

Há duas semanas, nesta coluna, foi abordado outro episódio triste envolvendo política e educação, o de uma escola municipal pressionada por um vereador bolsonarista a explicar um grafite feito por alunos com a frase "Fora Bolsonaro" e uma questão de prova sobre o "negacionismo e a vacina", que trazia uma charge do presidente.

Da escola pública da periferia à caríssima de bairro nobre, ninguém escapa do movimento Escola sem Partido, apoiado por Bolsonaro, que prega que professores sejam vigiados. Com a eleição se aproximando, cresce a tensão instalada nas escolas na era bolsonarista, que piorou na pandemia, com pais acompanhando/patrulhando aulas online. Até o fim do ano, a tendência é que se amplie a censura e a autocensura nas escolas e que a política se torne, cada vez mais, assunto proibido nas aulas.

Evitar temas políticos seria uma omissão das escolas no papel de formar integralmente os alunos, além de beirar o impossível. Crianças e adolescentes, afinal, estão imersos nesse assunto, que domina a mídia, as conversas em casa e com amigos. No caso dos jovens, ademais, há campanhas para que votem, como a do Tribunal Superior Eleitoral, #RolêdasEleições, que lembra que o prazo para tirar o título de eleitor termina em 4/5. O apelo foi encampado por famosos, como Anitta, que postou: "Me pediu foto quando me encontrou? Se for maior de 16 eu só tiro a foto se tiver foto do título do eleitor".

Voltemos ao caso Avenues e à dificuldade, em tempos de polarização, de se conviver com opiniões divergentes. Sair da bolha não deveria ser essencial, até para reforçar convicções, lapidá-las e aprimorar a argumentação? Basta se pensar no tradicional método pedagógico em que alunos devem sustentar posições opostas às suas. Quem é contra o aborto, por exemplo, tem de defendê-lo, e vice-versa. É impressionante a força dessa atividade para alavancar o poder argumentativo, de análise e a tolerância. Afinal, nada melhor do que se colocar no lugar outro para entendê-lo.

A intolerância, é bom que se diga, é apartidária e amplamente distribuída hoje em dia. A partir do bafafá Avenues/PSOL, vamos supor que uma escola com famílias mais à esquerda convide um pré-candidato a deputado de direita para palestrar.

Vai ou não vai ter fogo no parquinho?

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