Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Leandro Narloch

Eu não deveria, mas acho graça nas heresias de Bolsonaro

Candidatos em geral se esforçam para parecerem mais virtuosos do que realmente são

Uma coisa esquisita tem acontecido comigo. Como qualquer inteligentinho da Vila Madalena, defendo o fim do preconceito contra gays e uma maior tolerância à diversidade sexual. Gays estão entre meus melhores amigos, frequentam a minha casa sem constrangimento, cantam comigo quase toda semana no karaokê. 

Mas solto uma gargalhada deliciosa quando Bolsonaro diz coisas do tipo “vizinho gay desvaloriza o imóvel”. Sei que é errado, mas acho divertido demais. O que está acontecendo comigo, leitor?

Não, não vou votar nele. A virtude que mais valorizo num político é a capacidade de dar sono e inspirar tédio. 

 

Quanto mais chato e apegado ao mundo real, melhor. (Já se vê que meus candidatos não conseguem passar dos 10% nas pesquisas.) 

 

Bolsonaro não dá tédio, portanto não tem o meu voto. Mas às vezes ele me diverte. 

O leitor mais preocupado com direitos individuais dirá que isso é um absurdo, que não se deve achar graça numa fala que deprecia homossexuais e incentiva o preconceito. Sim, a declaração de Bolsonaro é estúpida, preconceituosa, equivocada –mas irreverente que só. 

Talvez o que me divirta seja o atrevimento. Os candidatos em geral se esforçam para parecerem mais fofos e virtuosos do que realmente são. Marina Silva posa por aí como uma santa, uma Madre Teresa um degrau acima dos mortais. Ciro Gomes tenta nos convencer que é uma pessoa calma; Alckmin paga pedágio para a esquerda prometendo restaurante a R$ 1 nas principais cidades brasileiras. 

Já Bolsonaro se esforça para parecer mais irreverente e maldoso do que realmente é. 

“Irreverência” é um bom termo. Quando faz o sinal de armas com as mãos, Bolsonaro deixa de prestar reverência aos sacerdotes da imprensa e das universidades que passam o dia cobrando virtudes dos pecadores. 

Com tanta gente no Facebook apedrejando quem exibe o menor sinal de pecado ou que ouse discordar de minorias, o gesto de Bolsonaro é uma heresia, um grito de liberdade. 

Nicholas Taleb diz que o mundo está vendo, na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos, a reação dos eleitores comuns aos “intelectuais mas idiotas” –os bem-educados formuladores de políticas públicas que nos dizem "1) o que fazer, 2) o que comer, 3) como falar, 4) como pensar e... 5) em quem votar”. 

Uma reação parecida ocorre no Brasil. Vota-se em Bolsonaro não pelas virtudes do candidato, mas pelo desprezo à intelligentsia que tenta determinar o que é permitido pensar. Não acredito que estou dizendo isso, mas talvez o voto em Bolsonaro seja uma tentativa de autonomia intelectual. 

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