O colunista Joel Pinheiro da Fonseca publicou na segunda-feira (31) uma sátira sobre os argumentos exagerados e apocalípticos usados contra a liberdade de expressão.
Com uma sutileza que lembrou o humor britânico, Joel chegou a defender ironicamente a censura prévia, que seria realizada por "um comitê de notáveis", "com a devida representatividade de todas as minorias sociais, para julgar previamente artigos, podcasts ou vídeos que possam ter conteúdo problemático. É isso ou a barbárie".
A surpresa é que muita gente não entendeu a ironia, levou o colunista a sério e ainda concordou com a suposta opinião.
Comentários apoiaram a proposta, colunistas e até mesmo jornalistas compartilharam o artigo em apoio. Sim: jornalistas elogiando um texto que defenderia a censura prévia.
A sátira funcionou como uma pegadinha. Revelou quem está confortável em censurar aqueles que questionam seus dogmas.
É como diz a jornalista Anne Applebaum: o autoritarismo não é um conjunto de ideias, é um estado de espírito. Não é intrinsecamente de direita ou de esquerda, mas "anti-pluralista. É desconfiado de pessoas com ideias diferentes. É alérgico a debates intensos".
No livro "O Crepúsculo da Democracia", Applebaum afirma que um dos alicerces a sustentar ataques a liberdades individuais é a predisposição autoritária de boa parte dos cidadãos.
No meio da complexidade dos fenômenos sociais, do ruído de opiniões divergentes, do conflito barulhento típico das democracias, muita gente prefere a unidade, a calmaria de uma narrativa única, simples e com inimigos bem identificados.
Ao contrário da inclinação libertária, que favorece a diversidade ideológica, a disposição autoritária privilegia a homogeneidade.
Um outro alicerce do autoritarismo está no campo intelectual.
Para Applebaum, autoritários precisam de uma elite intelectual que declare guerra à elite divergente e use uma linguagem legal sofisticada para relativizar as leis.
Precisam de gente para criar uma fundamentação teórica para a censura e teorias conspiratórias que canalizem a raiva dos cidadãos.
O alvo principal do livro é o partido "Lei e Justiça", que governa a Polônia, onde a jornalista vive. Mas ela percebe a mesma inclinação em setores da esquerda.
"Uma sensibilidade autoritária é inquestionavelmente presente na geração de líderes de extrema-esquerda das universidades, que tentam ditar como professores podem ensinar e o que estudantes podem dizer. Está presente nos provocadores de turbas do Twitter que tentam derrubar figuras públicas e gente comum por terem violado códigos de fala não-escritos."
A embalagem muda: às vezes tem coturno e chavões nacionalistas; em outras, óculos coloridos e discurso identitário. Mas a essência autoritária é a mesma.
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