Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Leão Serva

A Prefeitura de São Paulo anunciou que fará este ano um censo dos cortiços da capital. Já vem tarde. Esse é um tipo de habitação popular mais comum do que se poderia pensar, a julgar pelo espaço que recebe nos debates sobre a cidade. É pena que outros levantamentos não tenham sido feitos desde 2001, quando a fundação Seade (governo do Estado) fez o último.

Cortiços são soluções adotadas na paisagem das grandes cidades brasileiras à medida em que cresciam, fixando populações de baixa renda em áreas próximas à oferta de emprego. Eles ocupam de forma precária construções já existentes em centros urbanos.

Foi o preconceito da elite contra esses imóveis que acabou por gerar a favela. Na segunda metade do século 19, os governos do Rio de Janeiro queriam afastar do centro rico as "casas de cômodos", usando discurso sanitarista: muitas pessoas em pouco espaço ficavam suscetíveis a epidemias. Expulsos para áreas afastadas e sem construções, os moradores dos cortiços ou os novos imigrantes montavam barracos, como explica o estudioso Bruno Carvalho, no artigo "A Favela e sua Hora".

Publicado em 1890, o romance "O Cortiço", de Aluísio de Azevedo, exemplo de texto "naturalista", apontava para a elite leitora da época as más condições de vida em um casarão degradado do Rio de Janeiro.

Se o "Túnel do Tempo" pudesse trazer aos dias de hoje um leitor da época de "O Cortiço", ele provavelmente trataria como "cortiços" todos os prédios de quitinetes ou apartamentos pequenos que hoje estão na crista da onda do mercado imobiliário.

No século 21, em São Paulo, como em todas as grandes metrópoles do mundo, o custo das moradias força a adoção de imóveis menores, em áreas mais adensadas, que geralmente os moradores aceitam em troca de localização melhor. São motivos semelhantes que produzem cortiços.

Esses "cortiços hitec" são sinônimo de sustentabilidade: ocupam espaços menores, reduzem deslocamentos até trabalho ou escola (menos perda de tempo e consumo de energia), frequentemente reciclam prédios existentes e levam moradores para os centros (que, do contrário, são abandonados e se degradam ainda mais).

Então, se em todo o planeta milhões de habitantes de grandes cidades buscam moradias menores do que casas de favela ou quartos de cortiço, não seria conveniente estudar esses modos como parte da solução, e não do problema? Eles têm muito a ensinar sobre adensamento, localização, ocupação dos centros, propriedade partilhada, uso de áreas comuns e privativas, mudança de destinação de imóveis etc.

Tentar construir novos prédios como solução única para as habitações precárias só eterniza o problema. Como falta orçamento público para financiar toda a demanda, o fim do deficit habitacional fica projetado para um futuro distante ou para áreas longínquas, caso dos conjuntos do Minha Casa Minha Vida, que só agravam o apartheid social.

As más condições dos prédios e casarões tornados cortiços devem ser superadas: técnicas de "retrofit" podem dar a eles boas condições de segurança e habitabilidade, sem deslocar seus moradores de onde já se enraizaram.

Essas soluções custam menos para os cofres públicos do que as construções de novas unidades. Com o mesmo orçamento, pode-se beneficiar mais gente. O futuro fica mais perto.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.