Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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A proteção da fonte

Procurador da República pede 341 anos de prisão para jornalista

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A denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, não revela apenas um pensamento conservador, avesso à plenitude da liberdade de expressão e de informação.

Do ponto de vista político, o Ministério Público Federal cria uma nuvem de fumaça em torno do vazamento jornalístico de conversas pessoais que abalou a credibilidade da Operação Lava Jato e de seus 
principais protagonistas.

O documento faz leitura arbitrária de diálogo mantido com outro acusado no processo (com quem se firmou “colaboração premiada”) e conclui pela responsabilidade criminal do jornalista.

Nesse contexto, até mesmo a divulgação das conversas em parceria com a Folha e outros veículos de comunicação adquire caráter ilegítimo, impróprio ou temerário?

Autor e jornalista Glenn Greenwald
Autor e jornalista Glenn Greenwald - Adriano Machado - 21.jan.2020/Reuters

A denúncia serve para intimidar o réu e a imprensa como um todo, mostrando que a severidade do Judiciário também pode se voltar contra o exercício das liberdades públicas (o mar não está para peixe), e blindar a reputação do ex-juiz Moro e de integrantes da força-tarefa instalada em Curitiba para investigar 
a corrupção na Petrobras.

O MPF pede que o jornalista Glenn Greenwald seja condenado 126 vezes por “interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática” (reclusão de dois a quatro anos), 176 vezes pela invasão de “dispositivo informático alheio”, agravado pelo resultado obtido (seis meses a dois anos de reclusão), além, é claro, da “associação criminosa” (um a três anos).

Se a pretensão punitiva do procurador da República vingar (com a condenação de Glenn pelas penas mínimas previstas na legislação, mas somadas), ele receberia a singela sentença de 341 anos de prisão.

Mas os defeitos técnicos da acusação são insuperáveis. Não há descrição das condutas. Não há “participação” depois de consumado o delito.

A leitura isenta da fala do jornalista que a denúncia transcreve não revela adesão ao crime. Ele não se envolve. Ele se distancia do interlocutor.

O resguardo do sigilo da fonte não é atitude necessariamente estática. É comum —e, às vezes, necessária— a arquitetura da proteção, para que ela seja efetiva e não apenas formal.

A coincidência merece ser mencionada porque alcança Sergio Moro —namoradinho do Brasil (Paulo Guedes, à espera da chegada de Regina Duarte, já namora o mercado): o procurador que acusa Glenn pela interceptação de conversa do ex-juiz Moro é o procurador que acusa o presidente da OAB por “ofensas” ao ministro da Justiça e Segurança Pública.

Esta denúncia foi recentemente rejeitada pela Justiça Federal. O MPF queria o afastamento do advogado Felipe Santa Cruz da presidência da entidade. É outra iniciativa inusitada de um procurador que, aparentemente, ainda não adotou qualquer providência contra atos de improbidade política e administrativa do atual governo em desfavor da liberdade artística, intelectual e jornalística.

A existência da ação penal contra Glenn Greenwald é um atentado a preceitos constitucionais relevantes, mas, curiosamente, a repulsa da comunidade jornalística não é unânime.

A admiração que Sergio Moro ainda desperta entre formadores de opinião, a imagem de servidor intocável, o estranhamento corporativista gerado pela atuação de jornalista estrangeiro, norte-americano, em solo nacional, o ar de superioridade colonizadora, tudo isso ajuda a explicar o silêncio sorridente que a 
absurda acusação estimula.
 

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