Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Descrição de chapéu Folhajus

Hospitais de custódia são centros de tortura e desumanidade

Processo de desativação de manicômios judiciários é saudável esforço político

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Em meio à selvageria que governa o sistema prisional no Brasil —o Supremo a define como "estado de coisas inconstitucional"—, o processo de desativação dos manicômios judiciários é um saudável esforço político.

O Código Penal editado em 1940 instituiu no Brasil o regime da medida de segurança para a pessoa que, por "doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto", é "inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

O réu é isento da pena de prisão estabelecida na lei, mas fica submetido à internação em manicômio ou hospitais de custódia por tempo indeterminado, até que cesse a periculosidade.

Na teoria, é medida de prevenção e assistência social, sem caráter repressivo. Na prática, é punição de caráter perpétuo, o que a Constituição proíbe. É um caminho sem volta. As instituições totais para "encarceramento do louco" tornaram-se centros de tortura, de desumanidade e de tratamento cruel e degradante.

foto mostra porta com pequena abertura no meio, onde é possível ver o cabelo de uma pessoa que está de costas
Hospital de custódia em Goiás - Ministério Público de Goiás

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tomou a corajosa decisão de instituir em fevereiro a política antimanicomial do Poder Judiciário. A partir de agora, as portas dos manicômios se fecham para novas internações. Está previsto para 2024 o fechamento das instituições.

A pessoa com transtorno mental que praticar delito será submetida, preferencialmente, a tratamento ambulatorial na rede de atenção psicossocial do SUS (Sistema Único de Saúde).

Ainda existe a possibilidade de internação compulsória para hipóteses excepcionais, como recurso terapêutico momentaneamente adequado, e, evidentemente, a política antimanicomial não implicará na soltura automática de pessoas "perigosas".

O propósito é a "reconstrução de laços e referências familiares e comunitárias" e evitar "métodos de contenção física, mecânica ou farmacológica desproporcional ou prolongada", "excessiva medicalização", "alojamento em ambiente impróprio", "eletroconvulsoterapia em desacordo com os protocolos médicos".

A implementação do plano sofre resistência terrorista.

Um mês depois da publicação da resolução do CNJ, passa a tramitar na Câmara dos Deputados, com apoio da bancada da bala, projeto de decreto legislativo sustando a sua aplicação. Segundo a exposição de motivos, a resolução invade "seara" do Poder Legislativo: o CNJ não teria competência para elaborar políticas públicas.

Em 8 de maio, o Conselho Federal de Medicina (alinhada ao obscurantismo de Bolsonaro, a entidade já defendeu a "autonomia médica" para ministrar medicamentos ineficazes para o tratamento da Covid-19) firmou um "alerta urgente à sociedade brasileira", sustentando que, em sete dias, seriam soltos 5.800 criminosos —"matadores em série, assassinos, pedófilos, latrocidas".

O manifesto mentiroso (nada aconteceu na semana seguinte) ignora dados de 2022 do Ministério da Justiça que informa a existência de 1.869 pessoas internadas no Brasil para cumprimento de medidas de segurança (761 delas no estado de São Paulo).

As portas dos manicômios não serão abertas da noite para o dia.

Para ser implementada com sucesso, a política antimanicomial não depende apenas de planejamento estratégico e de investimento orçamentário e profissional na rede de atendimento do SUS. É preciso a aceitação desse processo iluminista no âmbito do Judiciário e do Ministério Público, instituições formadas também por gente conservadora, desumana e insensível.

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