Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Despolitização contra polarização

Quanto mais politizado é um corpo social, pior é a vida e o convívio

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Um dos problemas estruturais da adesão a política —não me refiro aqui aos políticos profissionais— é que essa adesão é adolescente, regressiva em termos morais, cognitivos e epistêmicos, necessitando, portanto, de um baixo uso do pensamento para existir.

Complicado? Nem tanto. A adesão apaixonada pela militância política é coisa de adolescente, mesmo que com 60 anos de idade. Resumo da ópera: a política é regressiva. Não é de se estranhar, já que ela é, de certa forma, fruto do nosso cérebro réptil.

A ilustração colorida de Ricardo Cammarota foi executada em técnica digital, vetor, em cores chapadas, tons pastéis.

  Na horizontal, proporção 13,9cm x 9,1cm, a ilustração apresenta uma composição gráfica, com linhas retas, dois alto-falantes em linguagem de ícones, um de frente para o outro, um deles está em cor cinza azulado e o outro, rosa pálido. Entre eles, dois quadrados de cores chapadas, que se encontram, um branco e outro laranja claro.  Ao fundo, quadrados de cores em tons pastéis de beje, verde água, marrom claro e creme.
Ilustração de Ricardo Cammarota para a coluna do Pondé do dia 9.set.2024 - Ricardo Cammarota/Folhapress

Sei que essa hipótese entra em choque com gurus da política como Deleuze ou Foucault —o primeiro um tanto fora de moda. Para esses, e muitos outros, tudo é política. Corpo político, café político, posição de dormir política, arroto político. Pois, arrisco dizer que, quanto mais "politizado" é um corpo social –a sociedade aqui incluída— pior é a vida e o convívio. Precisamos de menos política.

Dito de outra forma: a polarização violenta em que vivemos hoje é resultado necessário da natureza da militância política e, por isso mesmo, não tem saída, só se as pessoas recuarem da política. Só uma "despolitização" da sociedade pode reduzir a polarização louca.

Esta sim, poderá destruir as instituições da democracia, mesmo que a narrativa da esquerda hoje chame para si o papel de "anjo guardião da democracia". Vê? Coisa de criança.

O filósofo húngaro radicado nos EUA, John Kekes, com uma obra essencial em política e moral, é quase completamente desconhecido no país e sem tradução até hoje. O mercado editorial hoje no Brasil é uma indústria cooptada pela polarização – editores, vendedores de livrarias, donos de livrarias: se você não vestir o manto da santidade política da esquerda, você é apagado. Restam pouquíssimas exceções, e que quase sempre morrem a míngua. Existem, claro, as editoras a caça de best-sellers variados.

Seu livro lançado em 2023 pela Oxford, "Moderate Conservatism, reclaming the center" é essencial para pensarmos a polarização "fora da caixa". Para Kekes, uma saída possível da polarização que está destruindo a sociedade americana —mas serve para o Brasil também— é um recuo da politização da vida. Uma "despolitização da vida".

Politização aqui é, antes de tudo, militância a esquerda ou a direita. Todo grupo político que se acha portador do BEM político —ele escreve no livro GOOD em maiúsculas— destrói a vida em sociedade.

Não são teóricos e "especialistas" que podem reduzir o caráter destrutivo da militância política polarizada, mas sim as pessoas comuns no seu dia a dia entenderem que o que garante o cotidiano é a manutenção de um sistema político sem grandes arroubos a esquerda ou a direita. Sem ideologia política.

Lembro-me, quando criança, durante a ditadura – ditadura esta que enriqueceu muita gente que hoje posa portando o manto da santidade –, ouvia os adultos dizerem "o problema do Brasil é que o povo não é politizado". Pois bem: agora é, e?

Sei. Dirão que a politização do povo —graças as redes sociais, essas mesmas objetos de perseguição cada vez mais sistemática pelo Estado— é a politização errada. A esquerda sempre teve nojinho do povo. Aqui se revela uma diferença, entre a esquerda e a direita, quanto a tipologia regressiva típica da adesão a política.

Pablo Marçal é um Bolsonaro modelo 4.0. O crescimento, e o medo que ele tem causado —inclusive nos jornalistas que tem sofrido de desorientação diante dele—, se deve ao fato que, além de ele poder ganhar as eleições municipais em São Paulo, ele representa uma imensa maioria da população, aquela mesma que dá nojinho na esquerda. Ele dá esperança para uma imensa maioria da população, com sua salada de cristianismo mágico e liberalismo para os pobres. Quanto a mentir, todos mentem, ele o faz sem verniz.

O caráter regressivo de grande parte da direita é mais evidente: quase cospem quando falam. São obcecados pelo Bolsonaro, em pânico diante do risco de acordarem um dia apaixonados pelo Marçal.

O caráter regressivo da esquerda tem mais verniz. É fingido. Como disse acima, veste o manto da santidade. Artistas, jornalistas, intelectuais, professores, cineastas, se vêm como merecedores do estilo literário conhecido como hagiografia. Hagiografia são biografias da vida de santos, sem fundamento histórico em si. São adolescentes mais narcisistas.

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