Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Manuela Cantuária
Descrição de chapéu

Mufasa, meu primeiro amor

Idealizar um macho alfa não é tarefa para amadores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O trailer da nova versão de “O Rei Leão” me atropelou como uma manada de gnus. Ontem mesmo era 1994, quando, pela primeira vez, sofri irremediavelmente por causa de uma ficção. Mufasa foi o meu primeiro amor. Eu sei, não comecei exatamente com o pé direito.

Em primeiro lugar, porque o Mufasa é um desenho animado. Em segundo, porque é um leão, e eu era muito nova para entender o conceito de zoofilia. Em terceiro, porque o Simba seria mais adequado à minha faixa etária, mas eu também não sabia o que era complexo de Electra. Em quarto, porque o Mufasa morre no primeiro ato do filme e se transforma em uma nuvem de poeira cósmica, dificultando ainda mais o nosso lance.

Meu problema era mais grave do que a desenhofilia, a zoofilia, a leão-mais-velho-filia, ou a nuvem-de-poeira-cósmica-filia. Eu tinha sete anos e estava iniciando uma carreira meteórica no ramo dos amores impossíveis.

Ilustração
Silvis/Folhapress

Lembro quando, escondida de meus pais, desenhei um casal de bonecos de palito, um deles com uma juba vermelha, dentro de um coração assimétrico com a legenda: “Manuela & Mufaza” (sic). Aquele rascunho foi o mais perto que chegamos um do outro. Nele, eu também era um desenho em 2D e Mufasa era uma espécie rara de leão bípede que usava sapatos.

Idealizar um macho alfa não é tarefa para amadores. Eu não levava em consideração, por exemplo, que Mufasa apreciava a carne crua de bebês girafa e possuía um harém de leoas que caçavam enquanto ele tirava uma soneca de 18 horas. Isso sem contar o presumível bafo putrefato e aquela língua de lixa de pé, que devia ser tão agradável quanto esfregar a cara no chapisco.

De lá para cá, foram muitos Mufasas. Mais franzinos, menos peludos, igualmente vaidosos. Um vocalista de banda (morto), um professor de História (gay). Muitos remakes do mesmo filme. E uma única vantagem: é bem mais fácil terminar algo que nunca começou.

Confesso que o Mufasa hiper-realista de 2019 me lembra uma tatuagem de leão no muque de um playboy carioca que se acha a última Coca-Cola do deserto, ou melhor, da savana, ou melhor, da praia do Leme. É o ciclo da vida: depois de inúmeras sessões de esfoliação facial no chapisco, acho que finalmente aprendi a lição.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.