Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Com mais um ministro de comédia, isolamento de Bolsonaro é inédito

O último vínculo do presidentes com as 'elites' é o economista Paulo Guedes

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Conforme se previa, a troca no Ministério da Educação foi mais uma esparrela do governo Bolsonaro. Mas vou ficando otimista; para ser mais exato, estou perdendo o pessimismo.

O gabinete de curiosidades e aberrações que se constituiu em torno do presidente é sinal de seu isolamento político. Bolsonaro simplesmente não parece ter ideia de onde se virar.

Ilustração de um acordeão em contornos pretos em que apenas o fole (parte móvel) é vermelho com gotas vermelhas caindo dele
André Stefanini/Folhapress

Lembro o que foi o ocaso do governo Collor. A abertura do processo de impeachment seria aprovada pela Câmara em setembro de 1992.

Em plena desmoralização, Collor contava com ministros altamente respeitados.

O célebre Adib Jatene foi nomeado para a Saúde em fevereiro daquele ano. Em março, entrava na Justiça um histórico jurisconsulto, Célio Borja. Considerado gênio em matéria de infraestrutura, Eliezer Batista foi para os Assuntos Estratégicos. Um intelectual de altíssimo nível, Hélio Jaguaribe, ocupou a Ciência e Tecnologia.

O sempre admirado Fernando Henrique Cardoso só não entrou para as Relações Exteriores porque, numa reunião na cúpula do PSDB, Mário Covas fechou o tempo.

Xingador, descontrolado, adepto do jet-ski e com uma enfática agenda neoliberal, Collor ainda assim mantinha algumas alianças à esquerda.

Em julho de 1992, Leonel Brizola participou de um comício com ele. Não sem malevolência, o livro “Collor Presidente”, de Marco Antonio Villa, recorda que Ruth Escobar, grande personalidade do teatro e da luta contra a ditadura, detinha um posto de adida cultural nos Estados Unidos.

Cavalheiros de fino trato e alta erudição, como Celso Lafer (Ministério das Relações Exteriores) entraram para o governo Collor em abril, seis meses antes do impeachment.

Nomeado para a Cultura em 1991, Sérgio Paulo Rouanet —autor de ótimos livros sobre Walter Benjamin e Freud— ficaria com Fernando Collor até o seu amargo fim.

Agora, nem Alexandre Frota apoia o presidente Bolsonaro. Até Olavo de Carvalho reclama.

Os movimentos virtuais contra o governo vão de Alckmin a Boulos, dos que derrubaram Dilma aos que a apoiarão sempre. Na onda oposicionista, muitos se dão ao luxo de vetar adesões: “Sarney, Sergio Moro, Janaina Paschoal? Com esses eu não faço aliança”.

O último vínculo de Bolsonaro com as “elites” fica sendo, assim, o economista Paulo Guedes

Vejo-o sem máscara, o pobre, numa recente palhaçada presidencial. Ao fundo, o presidente da Embratur entoava a “Ave Maria” na sanfona, em homenagem aos mortos do coronavírus.

Guedes parece ser convocado nos momentos solenes (como o da foto oficial pela saída de Moro) e costuma tomar cuidado com a contaminação.

Pela cara, ou melhor, pela ausência de cara que demonstrou durante a récita religiosa, Guedes já parecia estar sob os efeitos da cloroquina; ou então aprendeu com Nelson Teich o uso tático da “facies cadaverica” nos momentos de estresse.

Como ele aguenta? Um economista acostumado a ler (ainda por cima em inglês)... Um homem fino, à vontade nos salões do George V e do Crillon, capaz sem dúvida de distinguir um Château Margaux de um Saint-Émilion Cheval Blanc!

Ei-lo no mundo do guaraná Dolly, da sanfonada, do torresminho. Nem no governo Lula se viu uma coisa dessas. Triste situação para qualquer representante do “mercado”. Adaptando uma frase conhecida, é o caso de dizer que Delfim Netto, se estivesse morto, estaria se revirando na tumba.

Claro que Paulo Guedes, a exemplo de tantos gênios das finanças, não tem problema com ditadores e generais.

Mas pelo menos, quando trabalhou no Chile de Pinochet, havia alguns vinhos medianos e boas estações de esqui.

É o que se chamaria de um retrocesso.

Com Bolsonaro se sustentando graças ao auxílio mensal de R$ 600, Paulo Guedes se põe numa espécie de quarentena. Sua cloroquina é a crença de que, com novas reformas, e com a retomada de cortes e privatizações, haverá de voltar “a confiança do investidor”.

Eis uma fórmula mágica que já deveria ter sido abandonada há muito tempo. Que confiança pode ter alguém —a menos que seja algum aventureiro da especulação— num país dominado por malucos, pistoleiros e destruidores do meio ambiente?

Como o tal ministro da Educação, o Brasil exibe seu currículo aos interessados. Um mestrado fajuto, um doutorado inexistente, um pós-doutorado contestado, flutuando ao som da ave-maria, sobre um mar de analfabetismo, estupidez e sangue.

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