Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Um dia de Bolsonaro justifica 5 impeachments e 20 processos criminais

Por que Lula e o PT fazem tanto corpo mole na resistência ao presidente?

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Começam, felizmente, as reações contra a escalada bolsonarista. A prisão de alguns defensores do golpe militar, como a doida do acampamento armado, chega em boa hora, se é que não veio com atraso.

O presidente do STF, Dias Toffoli, respirou fundo e criou alguma coragem para repudiar os sistemáticos ataques que se fazem à corte. Gilmar Mendes tem sido duríssimo, Luiz Fux deu uma interpretação decisiva sobre o papel das Forças Armadas, e Alexandre de Moraes vai em frente.

Evitando confrontos inúteis, as torcidas organizadas mostram a importância de um mínimo de manifestação contra a demência da direita.

Ainda assim, uma grande parcela de opositores a Bolsonaro parece intimidada; ainda há quem vacile diante da tese do impeachment.

Fico pensando quais seriam as causas para tanta hesitação.

Ilustração dividida em quatro quadrantes com fundo verde e um losango amarelo em cada um em referência à bandeira do Brasil. Em três cenas, há uma bomba que está com o pavio aceso e cada vez mais curto. No último quadrante, há apenas uma explosão
Ilustração - André Stefanini

Claro que existem fatores objetivos —a correlação de forças no Congresso, os 30% que apoiam o governo nas pesquisas de opinião, a presença de um general como vice.

Discuti esses pontos em artigo na semana passada: para mim, nada disso seria um obstáculo muito forte.
Mas também há componentes subjetivos, psicológicos em jogo.

Começo com um caso específico. Por que Lula e o PT fazem tanto corpo mole na resistência a Bolsonaro?

É possível, em primeiro lugar, que a ideia de um impeachment tenha traumatizado demais a companheirada. No convencimento de que a destituição de Dilma foi um golpe (concordo em boa parte), o lulismo fica temeroso de ser chamado de “golpista”.

Mas os incontáveis crimes de responsabilidade de Bolsonaro só reforçam, na verdade, a percepção de que as pedaladas de Dilma foram uma insignificância, um pretexto, uma lorota.

Não: o medo de encarar Bolsonaro tem raízes mais profundas.

É como se a esquerda ainda não acreditasse que ele foi eleito. A ascensão desse grupo de psicopatas foi tão rápida que continuamos a esfregar os olhos, pensando estar num pesadelo.

Um dia de governo Bolsonaro seria suficiente para cinco impeachments e 20 processos criminais. Como a realidade parece incrível em qualquer detalhe, há uma espécie de resistência a admitir o conjunto dos fatos.

É a teoria do “não é assim, não pode ser”: eles não estão preparando um golpe, a fala sobre armar a população é só uma fala, eles não vão conseguir, ora essa, o país é uma democracia.

Cria-se um sofisma. Como estamos numa democracia, os atos antidemocráticos não são para valer. Como os direitistas deliram, eles não passam de ilusão.

Parte da oposição se deixa levar por uma espécie de fascínio hipnótico. A cada barbaridade, parece que estamos esperando um pouco mais.

Quem sabe, no próximo absurdo, diminui em um ponto percentual o apoio ao governo...

Quem sabe, com umas dez mortes a mais pela Covid, um pouquinho mais de pessoas desiste de Bolsonaro...

Vive-se então uma esperança passiva, um pessimismo cor-de-rosa. “Deixa piorar, que acaba.” Há uma parcela de raiva também. É a atitude do “eu não disse?”.

Tudo o que Bolsonaro faz de detestável termina servindo como uma espécie de lista numa argumentação imaginária. Quanto mais ele continuar, mais ficará provado que nós, oposicionistas, tínhamos razão.

O anti-intelectualismo brutal de Bolsonaro parece encontrar uma espécie de hiperintelectualismo em muitos de seus adversários.

Nunca vi tanta sofisticação de raciocínio para provar que “não é o momento” de lutar
pelo impeachment, ou que manifestações contra o governo “são exatamente o que Bolsonaro deseja”.
Manifestantes de máscara, preocupadíssimos em evitar quebra-quebra, são criticados por entrar “em contradição”.

Mas uma coisa é a extrema direita negar o perigo do coronavírus e usar máscara ao mesmo tempo. Isso é contradição. Ainda por cima, aplaudem o presidente que não usa.

Outra coisa é se manifestar contra Bolsonaro, usando máscara, e tentando (verdade que isso não foi respeitado) manter a distância de dois metros.

A contradição é outra. Está em manter uma aceitação horrorizada; é a crença na cloroquina política do “uma hora cai, não é preciso fazer nada”. É a oposição pelo uso do álcool em gel.

Basta continuar dizendo que Bolsonaro “é um horror” e se congratular por não ter votado nele. Bárbaros, ignorantes! Que asco.

Sei do que estou falando; vejo em mim esse elitismo.

O povão que apoiou Bolsonaro? Bem-feito. Quanto aos gaviões e porcos que protestam, mon Dieu! Quelle exagération.

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