Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Ultrabolsonarismo militar seria um baita tiro pela culatra do Brasil

Ameaças de golpe, uma vez caindo no vazio, fortalecem centrão como sustentáculo razoável de um presidente enlouquecido

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É tanta ameaça, tanta soberba, tanta certeza de impunidade por parte de chefes militares brasileiros que eu poderia ficar totalmente desanimado e achar que toda a construção da democracia no país nos últimos 40 anos foi trabalho perdido.

Talvez não seja para tanto. Uma coisa interessante, na semana passada, foi ver que as provocações do general Braga Netto, questionando a legitimidade do voto eletrônico, não intimidaram ninguém.

Comentaristas televisivos experientes, sem nenhum traço de porra-louquice, reduziram a pó as desculpas inventadas pelo general, depois que ele resolveu assoprar a mordida anterior. Não vi sombra daquele antigo temor que se tinha na imprensa, durante os tempos da abertura, diante de despautérios e violências dos machões de quatro estrelas.

Hoje, diz-se claramente (na TV por assinatura, pelo menos) que este general mentiu, que aquele outro não diz a verdade, que o terceiro não podia ter dito o que disse.

Claro que também não vejo as reações que seriam necessárias num país plenamente emancipado e democrático.

O caso seria de prisão imediata de qualquer militar que se metesse a dar recados ao poder civil.

Seja como for, não prevalece um sentimento de medo frente ao que os militares possam fazer. Por enquanto, a hipótese de que tentem um golpe é muito remota. Difícil começar um regime de força com
popularidade em queda livre.

Seria preciso investir na criação de um “caos social”, com agentes provocadores ou atentados terroristas, ao estilo do que se tentou na década de 1980.

Ou forjar, como se fez em décadas anteriores, algum documento “provando” entendimentos de personalidades de esquerda com redes subversivas internacionais…

Essa gente é tão doida e radical que é capaz de tudo. Mas, felizmente, aqui estamos entrando no reino da especulação extrema.

Por que, então, esses chefes militares estariam caprichando em declarações golpistas? A pergunta, formulada assim, pode parecer meio boba.

Fazem declarações golpistas porque são golpistas, sempre foram golpistas, sempre serão golpistas.

Nunca se conformaram com a democracia; não sabem o que é democracia. Consideram que o ponto alto da história militar brasileira foi instaurar uma ditadura, que prendeu, matou, torturou e estuprou tantas pessoas quanto quis, e se ofendem diante de qualquer menção aos crimes cometidos.

Antidemocráticos por formação, calaram-se (mais ou menos) por um tempo. Animaram-se com a vitória de Bolsonaro e com o apoio que encontraram junto a alguns grupos de fanáticos.

Mas acredito que haja motivos mais conjunturais para essa temporada de provocações.

Primeiro, a CPI começa a pisar nos calos das Forças Armadas. Acusações envolvendo compra de cloroquina, contratos duvidosos, omissões, engavetamentos e corrupção deixaram de ser monopólio do “elemento civil” de nossa sociedade. Uma vez acuado, todo pelotão que se preza trata de resistir.

Segundo, o centrão avança sobre os cargos da República. Natural que alguns chefes militares queiram mostrar a Bolsonaro que, na hora H, serão mais fiéis ao presidente do que os líderes de partidos fisiológicos.

Na “política tradicional”, a rebeldia partidária sempre compensa —o presidente é forçado a entregar novas fatias do Estado a quem ameaça retirar seu apoio.

O ultrabolsonarismo militar seria, então, um tiro pela culatra. Ameaças de golpe, uma vez caindo no vazio, fortalecem o papel do centrão como sustentáculo “razoável” de um presidente enlouquecido.

Mas a ameaça persiste, como plano B. Sonho com um modo de o Congresso silenciar a arrogância golpista. Ponha-se em votação um plano para rever todas as aposentadorias e privilégios militares. O chefe disposto a melar o jogo da democracia não teria moral, imagino, para falar grosso num caso em que seria tão evidente seu empenho de agir em causa própria.

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