Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Marcelo Leite

Em busca das abelhas perdidas

Em Porto Rico, estima-se que mais de 90% delas morreram após o furacão que assolou a ilha em 2017

Podcast também é cultura —e ciência. Já era fã do programa Radio Ambulante distribuído pela emissora americana NPR, apresentado na maravilhosa língua espanhola, e aí ouvi semana passada um episódio sensacional, “A Colônia Perdida”.
 
Paixão à enésima vista. São 40 minutos de uma história de fato apaixonante, e bem contada.
 
Para começar, ela reúne —por meio de abelhas, veja só— dois países de coração, belos e sofridos: Brasil e Porto Rico (por coincidência, visitei esse estado associado dos EUA na mesma época de Radio Ambulante, poucos meses depois do furacão Maria, para um capítulo da série Crise do Clima).

Abelha sobre uma flor
Science Photo Library


O início de tudo se deu em 1956, quando o pesquisador paulista Warwick Estevam Kerr trouxe para estudar no Brasil colônias de abelhas da África, mais tolerantes ao calor que as primas europeias. Algumas rainhas escaparam.
 
Surgiu daí uma população híbrida, as temidas abelhas africanizadas. Agressivas, elas se espalharam pelas Américas, suplantando as europeias e provocando algumas mortes de pessoas por picadas de enxames.
 
Em algumas décadas já tinham alcançado os EUA. Em 1994 chegaram até à ilha de Porto Rico.
 
Até aí não há grande novidade, o caso é bem conhecido. Radio Ambulante, porém, resgata um aspecto menos célebre, o episódio de rápida evolução ocorrido em Porto Rico, no qual as abelhas africanizadas se tornaram dóceis como as europeias em questão de anos (a genética envolvida no fenômeno está descrita, em inglês, aqui).
 
As autoridades “borícuas” (como se autodenominam os porto-riquenhos) empreenderam uma campanha de segurança pela eliminação das colmeias africanizadas, envolvendo até policiais. Com o tempo, foram sobrando só as colônias menos agressivas, que, sob a pressão humana, ganharam uma vantagem competitiva sobre as demais.
 
Nesse processo, as abelhas da ilha mantiveram uma outra característica das ancestrais africanas: uma razoável resistência à varroa. Esse ácaro infesta os insetos do gênero Apis e já foram arrolados como responsáveis pela misteriosa doença que tem dizimado colmeias nas últimas décadas, o chamado transtorno do colapso de colônias (em inglês, “colony collapse disorder”, sobre o qual se pode ler mais aqui).
 
Trata-se de um problema grave, e não só por causa das perdas que acarreta aos apicultores. A diminuição de populações de abelhas também ameaça a agricultura por reduzir a quantidade de polinizadores, pondo em risco o cultivo de maçãs, amêndoas e outros frutos. Existe até uma indústria de aluguel de colmeias para polinização.
 
Radio Ambulante carrega um pouco nas tintas ao dizer que as abelhas de Porto Rico, menos bravas e mais rústicas, poderiam salvar o mundo, pois há outras populações de abelhas resistentes à varroa noutras paragens. Não resta dúvida, contudo, de que há interesse em preservar sua combinação única de genes.
 
Para desgraça de todos os borícuas, humanos ou insetos, a ilha caribenha foi assolada em setembro de 2017 pelo terrível furacão Maria. Mil porto-riquenhos perderam a vida, centenas de milhares viram voar seus telhados ou casas e todos ficaram sem luz por dias, alguns por semanas ou meses.
 
Já as abelhas viram desaparecer, da noite para o dia, todas as flores da ilha. Estima-se que mais de 90% delas morreram. Um punhado de voluntários ainda se esfalfa para salvá-las —só que essa história você vai ouvir, mais bem contada, em Radio Ambulante.
 

 

 
Antes de terminar, fique aqui uma confissão.
 
Em 2014, a reportagem multimídia “A Batalha de Belo Monte”, da Folha, foi uma das três peças finalistas do Prêmio Gabriel García Márquez na categoria Inovação. Perdemos.
 
A derrota só não foi decepcionante porque levou o troféu a colombiana Carolina Guerrero, exatamente por Radio Ambulante. Nosso trabalho era bom, mas o dela, Daniel Alarcón e colegas era melhor.
 
Nunca foi tão fácil perder.

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