Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Brasil arrisca virar uma imensa Manaus

Quem ainda apoia Bolsonaro responderá pelas muitas mortes que vieram e virão da Covid

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Estamos metidos numa enrascada. Dados comprovam sem margem para dúvida que temos o governo com pior desempenho no enfrentamento da Covid. Todos sabemos, porém, que fatos, números, veracidade e coerência não valem mais nada neste país.

Se valessem, Jair Bolsonaro não ficaria impune mentindo a torto e a direito sobre a “gripezinha” que matou mais de 220 mil no Brasil e 2,2 milhões no mundo. O médico (!) e deputado Osmar Terra (MDB-RS), que previu 800 óbitos por Covid, já estaria cassado ou banido da classe por pouca vergonha.

Só resta aos desconsolados iluministas repisar as evidências. Não há como renunciar à esperança de que a repetição abra fissuras no monumento de desfaçatez no Planalto ainda escorado pelo oportunismo de parlamentares venais e empresários imorais.

O Instituto Lowy da Austrália pôs o Brasil na 98ª e última colocação em ranking de eficiência das medidas para controlar a epidemia do novo coronavírus, com base nas informações do levantamento Our World in Data. Não com pouca razão.

Nem seria preciso ir até à coleção de dados para enxergar que temos 10% das mortes mundiais, proporção evidente na coincidência numérica (220 mil/2,2 milhões) de três parágrafos atrás. Só abrigamos 2,7% da população do planeta, nunca é demais reiterar.

Continuando com as mortes ponderadas pela população: o Brasil não é ainda líder nesse campeonato de óbitos corridos. Suas 1.042 vítimas por milhão de habitantes o deixam em melhor posição que vários países desenvolvidos, como Reino Unido (1.522), Itália (1.445) e EUA (1.308).

Não será surpresa se os atropelarmos antes do apito final na pandemia (se é que haverá). O número de casos novos já cai de modo acentuado nos EUA, e o de mortes em breve recuará também por lá.

No Brasil, os casos registrados estão em alta acelerada. Somam 8,9% do total mundial, proporção menor que a de vítimas fatais. De duas, uma: ou nossa letalidade está acima da média de todas as nações, ou não identificamos todos os doentes com Covid. Ou, pior ainda, as duas coisas.

Assim como nunca fizemos lockdown, nem distanciamento social decente, nem rastreamento e isolamento de infectados, jamais testamos em quantidade suficiente para afastar o espectro da subnotificação. Nosso escore está em 110 testes por mil habitantes, contra 978 no Reino Unido, 857 nos EUA e 518 na Itália.

O governo federal capitaneado por Bolsonaro apostou tudo na charlatanice do “tratamento precoce” com cloroquina e quejandos, até que o governador paulista, João Doria (PSDB), lhe aplicou um rabo de arraia com a Coronavac. Agora, o presidente se declara sem vergonha amigo do Zé Gotinha desde criança.

O ritmo da imunização sob tal comando é piada de mau gosto equivalente à sua preferência sobre o que fazer com leite condensado. Em duas semanas, mal chegamos a vacinar 1% dos habitantes. Para comparação: Israel 53%, Reino Unido 12%, EUA 8%, Itália 3%.

Na sexta-feira (29) a Janssen anunciou vacina de dose única e refrigeração usual (2ºC a 8ºC) com 66% de eficácia para prevenir casos moderados e graves na América Latina e 72% nos EUA. A farmacêutica projeta fabricar 1 bilhão de doses por ano e já conta com acordos para fornecer 1,25 bilhão de unidades —nenhuma, até agora, para o Brasil.

Não temos vacina nem para metade dos brasileiros. Você que votou em Bolsonaro, ainda lhe dá apoio e acha inoportuno o impeachment sabe bem quem tem culpa pelo risco de o país virar uma imensa Manaus.

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