Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu drogas

Estudo indica potencial de psicodélico contra anorexia

Psilocibina de cogumelos parece segura e promissora contra transtorno alimentar

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São Paulo

O rol de problemas mentais e físicos potencialmente tratáveis com drogas psicodélicas não para de crescer: estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, dependência química, TOC, luto, enxaqueca, dor de cabeça em salvas, encefalopatia traumática crônica de boxeadores — talvez até Alzheimer e Parkinson, um dia.

A anorexia nervosa (AN) surgia de vez em quando na lista, mas agora parece que é para valer. Teste clínico com dez participantes obteve resultados positivos com psilocibina de cogumelos ditos "mágicos" —ainda preliminares, decerto, mas suficientemente promissores para publicação no periódico Nature Medicine.

AN é um distúrbio grave, caracterizado por baixo peso e distorções na percepção do próprio corpo. Tem risco aumentado de morte por complicações fisiológicas e suicídio. Afeta 1,4% das mulheres (raramente homens), das quais só um terço consegue recuperar-se de forma estável. Não há remédio eficaz disponível.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina
Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina, usada no teste clínico com pacientes com anorexia nervosa - Divulgação

O estudo foi realizado por pesquisadores das universidades da Califórnia (San Diego) e de Michigan, liderados por Walter Kaye. As dez voluntárias tinham diagnóstico ou remissão parcial de anorexia e, em média, IMC de 19,7 (o que corresponderia a alguém de 1,70 m com 57 kg).

Elas tiveram cinco sessões de psicoterapia: duas de preparação, uma com 25 mg de psilocibina sintética e duas de integração, para debater e tirar sentido da viagem psicodélica. Oito das voluntárias qualificaram a experiência como uma das cinco mais significativas de suas vidas.

Acompanhadas um e três meses depois do teste, elas não apresentaram mudança estatisticamente significativa no IMC. Por outro lado, houve redução considerável na preocupação com a aparência corporal; aos três meses, quatro delas não atingiam mais os escores para diagnóstico de AN.

Tratava-se, porém, de um ensaio de fase 1, voltado mais para investigar a exequibilidade e a tolerabilidade de um eventual tratamento do que para medir melhora na própria psicopatologia. É uma amostra pequena demais para isso.

De todo modo, nenhum efeito adverso grave se apresentou. Duas pacientes tiveram hipoglicemia na sessão de dosagem, efeito mais provável de sua desnutrição e seus baixos níveis de açúcar no sangue do que da droga em si.

Caso estudos de maior porte confirmem benefícios da psilocibina para AN, mais de um mecanismo poderá explicá-los. No plano molecular, esse composto —a exemplo de outros psicodélicos clássicos como mescalina, LSD e DMT da ayahuasca— atua sobre receptores de serotonina e exerce efeito antidepressivo rápido.

A obsessão com peso e aparência muitas vezes vem acompanhada de depressão, que redunda na chamada ruminação, a repetição circular de pensamentos negativos. Em contraste, nove das dez participantes disseram estar mais otimistas com sua vida.

Psicodélicos aumentam a produção do hormônio cerebral BDNF, relacionado com a formação de novas conexões entre neurônios, plasticidade que, por sua vez, permitiria o rompimento da ruminação. Imagens do cérebro já revelaram um afrouxamento da rede de modo padrão, que fica turbinada na depressão e sustenta o círculo vicioso.

Crenças, percepções e interpretações entrincheiradas, de fato, compõem o núcleo comum dos distúrbios que poderão um dia vir a ser tratados com psicodélicos. Por ora eles seguem proibidos, no mesmo índex que interdita a cocaína e a heroína, apesar do perfil seguro e do baixo potencial para desencadear dependência.

Foram parar ali por razões políticas, não médicas ou científicas. Isso começou a mudar nos EUA e na Europa (antes tarde que nunca), enquanto no Brasil, pátria do atraso, ainda se discute se é lícito plantar cânabis para fins medicinais.

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