Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

'Google', ou como ideia de infinito sempre intrigou a humanidade

Uma criança propôs chamar de googol um número enorme

Por volta de 1920, o matemático norte-americano Edward Kasner (1878-1955) estava buscando um nome para um número muito grande —10100, ou seja, 1 seguido de 100 zeros— que despertasse a atenção das crianças. O sobrinho Milton, de 9 anos, propôs chamar "googol" e esse nome foi popularizado por Kasner em seu livro "Matemática e imaginação".

O googol é um número enorme. Para dar uma ideia, estima-se que o número de átomos em todo o universo observável seja 1080, quer dizer, 1 seguido de "apenas" 80 zeros. O googol é 100 bilhões de bilhões de vezes maior!

Símbolo do Google em uma parede
O googol é um número enorme - Reuters

Mas o pequeno Milton sabia bem que há números ainda maiores, e até propôs um nome para um deles: "googolplex" é 10googol, ou seja, 1 seguido de um googol de zeros.

O googolplex é tão colossalmente grande que não é possível escrevê-lo por extenso: não há espaço suficiente no universo para todos esses zeros!

Muitos anos depois, em 1997, os criadores de um novo site de buscas decidiram chamar seu produto "Googol", para dizer que ele seria capaz de processar enormes quantidades de informação. Só que alguém se enganou na hora de escrever e acabou ficando "Google".

Aliás, é um exagero: mesmo hoje em dia, a quantidade total de informação armazenada na internet não alcança 1023 bytes —cem trilhões de gigabytes—, o que não chega nem perto de um googol. Mesmo assim, a sede da empresa na Califórnia é chamada Googleplex...

A descoberta fascinante de que o conjunto dos números não tem fim, pois sempre podemos encontrar um maior, é nosso primeiro contato com a ideia de infinito. E essa ideia vem intrigando a humanidade desde sempre: mesopotâmios, egípcios, hindus e chineses, todas as grandes civilizações se debruçaram sobre os mistérios do infinito e, claro, suas relações com a religião.

A primeira menção escrita que conhecemos é associada ao filósofo Anaximandro, que viveu na cidade grega de Mileto entre 610 e 546 a.C.. Ele acreditava na existência de um princípio original, infinito e sem limites, do qual se originariam todas as coisas.

Já Zenon, que viveu na colônia grega Elea, na Itália, entre 490 e 430 a.C., ficou famoso por ter proposto diversos paradoxos resultantes da ideia de infinito.

Aristóteles (384-322 a.C.), o mais influente dos filósofos gregos, fez uma importante distinção entre "infinito potencial" —algo que pode ser continuamente construído sem limite— e "infinito atual" —que já existe por completo em algum momento.

Para o leitor moderno, uma ótima ilustração de infinito potencial é a agenda do Google: pode consultar informações e agendar compromissos em qualquer dia que deseje —seu aniversário daqui a 5.000 anos, por exemplo— mas isso não quer dizer que a agenda exista completa no seu computador, com todos os dias de todos os anos: não caberia!

Aristóteles defendeu que "o infinito é sempre potencial, nunca atual" e suas ideias foram motivo de discussões filosóficas ao longo dos séculos. São Tomás de Aquino (1225-1274), por exemplo, concordava com Aristóteles. Mas o tema sempre foi delicado para os pensadores cristãos, pois a própria ideia da divindade está associada à noção de infinito.

A questão também foi se tornando cada vez mais importante na matemática. Quando o inglês John Wallis (1616-1703) introduziu o famoso símbolo do infinito ainda se tratava de infinito potencial, mas o desenvolvimento da disciplina fez com que o infinito atual tivesse papel cada vez mais relevante.

Hoje, todo matemático pensa no conjunto dos números inteiros como algo que existe de fato, completamente realizado, e não apenas que pode ir sendo construído por meio da contagem.

Ao final do século 19, o trabalho do alemão Georg Cantor (1845-1918) sobre a teoria dos conjuntos forneceu um tratamento rigoroso da ideia de infinito, trazendo o tema definitivamente da filosofia para a matemática. Cantor era um partidário convicto do infinito atual: religioso, ele acreditava que "o senhor Deus dispõe dos conjuntos infinitos tanto quanto dos finitos para realizar a sua obra".

Segundo ele, dois conjuntos —finitos ou infinitos— têm o mesmo número de elementos (os matemáticos preferem dizer "o mesmo cardinal") se os seus elementos puderem ser postos em correspondência um a um.

Por exemplo, o conjunto N dos números inteiros e o conjunto P dos números pares têm o mesmo cardinal, pois cada inteiro pode ser posto em correspondência com o seu dobro. Portanto, embora N seja maior do que P, porque ele também contém os números ímpares, na verdade os dois têm o mesmo número de elementos.

Os conjuntos infinitos que têm o mesmo cardinal que N são chamados "enumeráveis". Eles são os menores conjuntos infinitos possíveis, mas Cantor também mostrou que existem conjuntos infinitos não enumeráveis, ou seja, que têm cardinal realmente maior do que N. É o caso, por exemplo, do conjunto R de todos os números reais. Na verdade, Cantor descobriu toda uma hierarquia de infinitos, uns maiores do que outros.

O seu trabalho foi duramente criticado pelos contemporâneos. Henri Poincaré considerava uma "doença grave" da matemática, e Leopold  Kronecker chamou-o de "charlatão científico" e "corruptor da juventude".

Tais críticas amarguraram os últimos anos da vida de Cantor, agravando suas crises de depressão. Mas suas ideias acabaram prevalecendo e, como disse David Hilbert, "deste paraíso que Cantor para nós criou, sabemos que nunca seremos expulsos".

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